Em período de circulação de vírus respiratórios, a afluência aos serviços de urgência hospitalares aumenta. Anualmente, é pedida uma reforma, necessária, do modo como os doentes acedem a estes serviços. Mas anualmente, também, são debitados os números de doentes com classificação na triagem de Manchester de verde ou azul (os menos graves), afirmando que estes doentes não devem ser observados nos hospitais e devem ser vistos nos centros de saúde.

Se numa parte considerável isto é verdade, são situações agudas benignas que podem ser resolvidas nos cuidados de saúde primários, há uma parte significativa de doentes cujos problemas não são resolúveis nos cuidados de saúde primário.

A triagem de Manchester classifica o grau de urgência da situação clínica, determinando se o doente deve ser observado imediatamente, nos primeiros 10 minutos, 60 minutos, 120 minutos ou 240 minutos e não a complexidade do tratamento necessário. Há doentes crónicos com situações complexas que tem necessariamente de ser resolvidas em contexto hospitalar mas cuja situação não carece de urgência (situações que necessitam abordagem no próprio dia e não na própria hora).

Para atender este tipo de situações há uma tipologia de serviço hospitalar que não está amplamente implementada – os hospitais de dia. São locais aonde os doentes de determinadas especialidades se podem deslocar para serem observados e onde possam obter tratamento especializado em contexto hospitalar. Um doente com uma cirrose hepática, com uma ascite (acumulação de líquido na barriga) precisa de paracenteses frequentes (retirar esse líquido) que têm de ser feitos em contexto hospitalar. Muitas vezes não é previsível quantos dias depois de uma intervenção necessita repetir o procedimento e cabe ao doente apresentar-se ao hospital, quando necessita. Nos hospitais que não têm hospital de dia, estes doentes recorrem ao serviço de urgência. Como este, há imensos exemplos, nas diversas especialidades.

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Outra mudança estrutural que deverá acontecer, que foi evidenciada na comunicação social durante a pandemia, é a mais-valia das estruturas residenciais para pessoas idosas (lares) terem médicos que possam fazer a avaliação clínica e acertos terapêuticos aos residentes, sem estes terem de pedir um domicílio ao seu médico de família ou terem de ser enviados a um serviço de urgência. São locais onde existem muitas pessoas em situações clínicas frágeis e é mais eficaz que tenham um médico próprio do que haver uma dezena de médicos de família que se desloquem para ver os seus utentes específicos.

A terceira mudança estrutural que Portugal devia adoptar, evidenciada na pandemia anterior ao covid, a da ‘gripe A’ em 2009, e incluído em todos os documentos técnicos de avaliação, é a figura do sick leave, em que cada trabalhador pode (e deve) faltar ao trabalho por doença até três dias sem ter de apresentar um atestado médico. A quantidade de deslocações a um serviço de urgência ou a consultas do dia nos centros de saúde apenas para obter um papel comprovativo para justificar a falta ao trabalho é imensa. Temos de fazer um balanço entre a disrupção que esta actividade burocrática traz para os serviços e o abuso que alguns trabalhadores farão utilizando estes dias apenas para não ir trabalhar.

O justo paga pelo pecador…