O caos nos serviços públicos tem marcado a agenda. Vários governantes, incluindo o primeiro-ministro, foram obrigados a reconhecer as dificuldades dos serviços públicos em responder a necessidades básicas das populações. Avançaram justificações, que vão de ‘causas estruturais’ à concentração de muitos feriados numa semana. O Ministro da Administração Interna deu mesmo um raspanete público, acusando um dirigente do Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) de gestão incompetente.

Desde o início do ano tivemos conhecimento da falta de professores, que privaram de aulas dezenas de milhares de alunos das escolas públicas. As falhas do Serviço Nacional de Saúde (SNS) são conhecidas há muito. No entanto, um novo patamar foi alcançado com a indisponibilidade de serviços de obstetrícia em vários hospitais. António Costa, no sétimo ano como primeiro-ministro, nada fez para resolver os problemas na educação e na saúde. Pelo contrário, insistindo em métodos de gestão arcaicos, como as cativações orçamentais ou as colocações centralizadas de professores e de médicos, agravou a situação.

Como relatou o escritor Mia Couto, chegado de Moçambique e após uma espera de cinco horas na fila de controlo de passaportes, o caos tem sido também visível nos aeroportos. Os aeroportos nacionais voltaram a receber grandes fluxos de passageiros. Milhares de passageiros têm passado horas nas filas no aeroporto de Lisboa, mas também no Porto há registo de longas esperas no controlo de passaporte. É assim que queremos receber os estrangeiros que nos visitam e os portugueses que regressam ao seu país? Nem a importância do turismo para a economia portuguesa mobiliza o Governo para resolver este problema.

As falhas no controlo de passaportes nos aeroportos nacionais é um exemplo de ineficiência e da baixa produtividade dos serviços públicos. O primeiro-ministro, que tem na sua dependência direta o Secretário de Estado da Digitalização e da Modernização Administrativa, deve estar atento ao que se passa no controlo de fronteiras e retirar lições para a execução do Plano de Recuperação e Resiliência, que destina centenas de milhões de euros à digitalização da Administração Pública.

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A digitalização é uma das grandes oportunidades para a economia portuguesa melhorar a sua produtividade. No extremo ocidental da Europa, o transporte aéreo é essencial para a competitividade da nossa economia. Portugal devia eleger como prioridade ter os aeroportos mais eficientes da Europa.

A digitalização pode reduzir distâncias e custos de transporte. No caso dos aeroportos, uma empresa portuguesa, a Vision-Box, tem estado na liderança tecnológica do controlo de passaportes eletrónicos. Criada por investigadores do INETI, desenvolveu e implementou o primeiro sistema de controlo eletrónico de passaportes com tecnologia de reconhecimento facial. A Vision-Box está hoje presente em mais 80 aeroportos internacionais, sendo um caso sucesso na área da inovação e exportação de tecnologia e de serviços.

Este sistema permite grandes ganhos de eficiência no controlo de passaportes. Dado que um agente de controlo de fronteiras monitoriza entre 5 a 10 pórticos eletrónicos, podem ter uma ideia dos ganhos de produtividade do investimento nesta tecnologia. No entanto, o SEF continua a insistir na necessidade de mais recursos humanos.

Num bom exemplo de uma relação entre uma start-up tecnológica nacional e o Estado, há mais de uma década, o SEF esteve na primeira linha a implementar o sistema da Vision-Box nos aeroportos nacionais. No entanto, tem ficado claramente para trás na utilização deste meio digital. No meio do caos das últimas semanas, ao lado das longas filas nos pórticos tradicionais, podemos ver pórticos eletrónicos desligados.

A digitalização pode ser uma oportunidade para melhoramos a eficiência dos nossos serviços públicos. Mas para que isso aconteça é necessária outra visão e outra capacidade de gestão na Administração Pública, em que a prioridade tem de ser a eficiência e a melhoria da prestação de serviços ao cidadão. A Autoridade Tributária continua a ser um dos poucos exemplos de sucesso na digitalização dos serviços públicos. Percebemos porquê.  Nesse caso está em causa a coleta eficiente de impostos.

A extinção do SEF foi decretada em novembro de 2021. É possível que o caos nos aeroportos se deva também à incapacidade do governo em executar essa reestruturação dos serviços de controlo de fronteiras. Mas se o Governo não é capaz proceder à reestruturação de um serviço com cerca de 1 000 efetivos, como podemos ter esperança que venha a resolver as falhas graves do SNS?