Caro Manuel Bourbon Ribeiro,

A minha primeira reação à tua “Carta aberta de um jovem ao meu país” não foi muito simpática. Após nova leitura mais atenta quero aqui beliscar algumas das tuas ideias. Nota-se que és inteligente e sabes ordenar palavras, mas parecem estar no teu texto convicções de outra pessoa que se escrevem pela tua mão (um bom mote para mais à frente falarmos da liberdade de escolha).

Gosto particularmente das duas primeiras frases do subtítulo da tua carta:

Tenho 17 anos e uma vida pela frente.”

Uma introdução em tom pessoal, de boa natureza e, de certa forma, um pedido de desculpas por alguma imaturidade que possa transparecer do teu lamento. Como dizes, tens 17 anos e uma vida pela frente. Ainda há esperança para ti.

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“Sinto que posso fazer algo pelo meu país, podemos todos.”

O meu pai costumava dizer que “a juventude é um animal estúpido”, cheio de vigor, rebeldia, vontade de transformar o mundo, tudo condições de carácter com igual potencial para o bem e para o mal. Tenho a certeza de que és bem-intencionado, mas conheces o ditado – de boas intenções está o Parlamento cheio.

Compreende, o perigo nesta idade precoce é o da ignorância convencida de sapiência, fruto da maleabilidade das tuas convicções às mãos daqueles que te precedem. Isto tanto é válido para jovens de inclinação política de Direita como de Esquerda.

Nesta idade, meu caro Manuel, e agora que estás prestes a sair para o mundo, é quando tens a oportunidade de aprender a pensar por ti mesmo, de testar e questionar tudo aquilo que te foi ensinado, se até então não o fizeste por natureza. Começa pelo “grandioso Portugal de outrora”.

Chamemos-lhe O Mito do Passado Glorioso.

Pergunta-te: quantos outros países pensam e falam de si mesmos com a mesma aura de glórias passadas? Portugal, França, Reino Unido, Alemanha, Itália, Hungria… Cada país ensina a sua História. Serão todos estes países gloriosos como pensam e fazem crer a cada nova geração de habitantes que produzem? De que serve a um país ver-se a si mesmo nestes termos?

Faz tudo parte de um processo de construção de identidade nacional, em certa medida necessário, mas raramente posto em causa. O simples facto de teres nascido em Portugal não te atribui por defeito uma personalidade e temperamento típicos da cultura Portuguesa. Embora a combinação genética dos teus pais desempenhe uma pequena parte no teu temperamento emocional, é no fundo a tua educação – em casa e na escola –a tua vivência inserido na cultura de Portugal que te faz identificar com este país que, não disputo de forma alguma, tu estimas. Mas tens apenas 17 anos (não todos eles conscientes) desta vivência Portuguesa, e o teu Portugal é seguramente diferente do Portugal de muitos teus compatriotas, com os quais talvez não te identifiques ou relaciones tanto. Portugal é um país pequeno mas contém ainda assim imensos “Portugais” dentro de si. Basta viajar de Norte a Sul, de Litoral a Interior.

O teu enfatuamento e identificação cultural por este teu querido Portugal, é na sua origem, o fruto de um puro acaso. O teu nome de família é também um acaso que te aconteceu – não existe qualquer mérito teu ou dos teus pais nesse fenómeno. O mesmo se aplica à doutrina religiosa que talvez pratiques ou não pratiques. Ninguém escolhe onde nasce, de quem nasce nem onde cresce e poucos de nós alguma vez contrariamos estas condições.

É infelizmente universal esta dificuldade, esta recusa de tanta gente em colocar-se este tipo de questões, de avaliar o quanto das nossas identidades e valores são o produto de circunstâncias fora do nosso controlo. Por isso mesmo, não obstante o valor utilitário de se fazer sentido do mundo por intermédio de histórias e de mitos, de se simplificar as coisas colocando-as em caixinhas e gavetas, parece-me fulcral nos dias de hoje – e daqui para a frente – que, sem ser preciso incorrer em autoflagelação pela identidade que contemos no nosso peito, sejamos pelo menos capazes de questionar e de examinar a validade e origem destes nossos afectos – como com qualquer outra emoção humana. As emoções, os sentimentos são reais, sim, mas a sua relação com os factos pode por vezes ser ténue ou mesmo nula. O que distingue o Ser Humano do resto dos animais, é justamente a capacidade de raciocinar: questionar, indagar, tomar consciência dos nossos instintos biológicos. Cabe-nos ponderar as limitações – e benefícios – que esses mecanismos de sobrevivência nos dão para os dias de hoje e para o futuro.

Falemos brevemente de política:

“Hoje quem governa, ou suborna ou vai para a prisão.”

Se falas de uma aparente depreciação da qualidade dos nossos políticos, é difícil de discordar – quem conhecer os textos de Eça de Queiroz sobre a política portuguesa não verá um grande declínio. No mínimo, o fenómeno inverso poderá ser verdade: o de uma aparente melhoria da qualidade da Justiça Portuguesa. Quero acreditar que sim e nesse caso esperemos que não seja “ou suborna ou vai para a prisão” mas sim a segunda por consequência da primeira. A Impunidade tem vida longa na política Portuguesa.

Quanto ao governo que não foi eleito, houve mais Portugueses que não votaram em Passos Coelho (63,14%) do que os os que votaram em Passos Coelho (36,86%). De outra forma não seria possível ao PS, PCP e Bloco de Esquerda formarem uma maioria parlamentar por acordo. Numa democracia de representação proporcional é apenas justamente mais representativo que a maioria dos votantes possa ser reflectida pelo maior número de parlamentares que elegeu, se necessário em coligação (contando que se consiga acordar um plano de governo em comum), em detrimento de um partido que representaria apenas um terço dos votantes. Compreendo, não era até agora costume, mas é seguramente uma solução cobiçada actualmente por muitos países. A Democracia não pode ser uma corrida de ver quem chega em primeiro, mas antes um constante esforço de negociação em busca de consenso e de compromisso, para que entre pessoas que naturalmente discordem em vários assuntos possa haver soluções com os quais possamos todos viver. A alternativa é o que se vê no Reino (des)Unido, Estados (des)Unidos e outros países profundamente divididos e entrincheirados.

No resto da tua carta aludes brevemente a esta importância da liberdade de escolha, defendendo justamente o oposto. Num Português mais de tasca, a tua carta pinga um pouco de ideologia. Se tu valorizas de facto a liberdade de escolha respeita o direito à eutanásia, pois quem normalmente a escolhe é o doente em questão. Quanto às mudanças de sexo, novamente, se és mesmo pela supremacia da liberdade de escolha deixa isso à consciência de cada um – e o mesmo para o aborto. A mudança de sexo dever ser ou não um direito disponível aos de tenra idade é um argumento que merece ser discutido, mas não mais do que o facto de um rapaz de 17 anos já ter tão fortes opiniões sobre vários aspectos da vida, como o de um feto ser já uma pessoa.

Não venho aqui a negar o teu direito a ter seja que opinião for. Pelo contrário e, aliás, assim que possas votar, independentemente das tuas opiniões e do quão desiludido andes com a política do país, vota, Manuel! Há muitas outras formas de te expressares e de lutares por mudança numa democracia, mas “quem não chora não mama” e “quem cala consente” – mais um pouco de sabedoria popular Portuguesa. Além do mais, não votar é abdicar de um direito em si mesmo simbólico de uma sociedade democrática, por oposição a uma sociedade autocrática e ditatorial, como a que Portugal teve não assim há tanto tempo. Embora deva haver um incentivo à participação cívica por parte do Estado, começando pelas escolas, não devemos confiar somente essa responsabilidade a quem mais serve fazer exactamente o oposto.

Em geral, saúdo enfaticamente a tua vontade de fazer por melhorar o nosso país, de ver novas caras no nosso panorama político, de ver um país se que valorize mais ao apostar com maior convicção no bem-estar dos seus cidadãos. Pareces consciente do nível absurdo de corrupção, da paralisia de ideias, de um encolher nacional de ombros, tudo reparos pertinentes e difíceis de discordar. Só te aconselho ponderação nas convicções e que ouses espreitar além dos limites da tua caixinha. Fala com pessoas de opiniões diferentes, viaja dentro de Portugal e fora (não existe nada de errado em emigrar, só abre horizontes), põe à prova a História que aprendeste e o país que foste ensinado a amar. Olha para o Passado, sim, mas prepara um Futuro diferente. Afinal, o Tempo não anda para trás.

Londres, 3 de Novembro de 2019-11-03

(este texto foi escrito de acordo com as normas pré-acordo ortográfico)