Caros leitores: faço hoje uma pausa nas crónicas de verão. Às portas das eleições legislativas, com o panorama noticioso pejado, é difícil manter o registo ligeiro das crónicas de verão. Prometo voltar já para a semana, pois afinal o verão está para durar. E faço esta pausa para publicar uma carta aberta aos candidatos a deputados, que me foi enviada com pedido de publicação por alguém que conheço bem e pretende manter o anonimato.

“Queridos amigos, conhecidos, desconhecidos, gente de bem ou nem por isso, que em breve vos apresentais ao sufrágio de todos nós, vossos amigos, conhecidos, desconhecidos, gente de bem ou nem por isso. Queridos amigos e amigas candidatos às eleições, jovens e velhos, gente como nós que somos como vós, do número um da lista do partido favorito – se é que há partido favorito – ao último suplente do mais desconhecido dos partidos.

Sois centenas. Aliás, sois milhares. É caso para exclamar “ditosa democracia” que tantos querem servir. Ora é aqui que está o busílis: será que querem (servir)?

A maior parte de vós voltará a ser como nós depois do sufrágio: cidadãos comuns, que só a si se representam. Mas neste mês quente de agosto, sois o eixo humano da democracia, aqueles que se propõem representar os milhões de portugueses (e luso-brasileiros) que habitam Portugal e os muitos países da diáspora, na Europa e pelo Mundo fora. Dos 230 futuros deputados, muitos, talvez a maioria, terão experiência na representação ou na política, como eleitos locais, antigos ministros, membros de partidos; não se vislumbrando no horizonte, a crer nas sondagens, qualquer fenómeno Syriza ou Podemos, poucos chegarão ao hemiciclo sem experiência prévia na política activa, na representação, trazendo o entusiasmo, a vontade de mudar, a força de convicções puras e o desejo de servir dos neófitos.

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Não importa. O que importa é que hoje e agora sois todos vós os candidatos, aqueles que se propõem à nossa escolha, e o pedido que vos faço, que vos grito, é que encarem esta eleição como uma oportunidade. Pode ser a última. Todos vós, caros candidatos, sois frequentadores de redes sociais, do FB ao twitter, passando por blogs e sítios Internet. Todos vós, como eu, já há muito vos apercebestes da desconfiança – para não dizer antagonismo – em relação aos políticos em geral, na oposição ou no poder, qualquer que seja a instituição que integram.

O que está em causa é a democracia. Este sistema que nos é caro e que já tantas vezes, noutros tempos e lugares, foi destruído pela forma como os representantes – os políticos -, entendem a sua missão. E se a compreendem bem e mal a executam, pior ainda. Lendo nas redes sociais as opiniões dos cidadãos comuns, caros postulantes a representantes dos vossos compatriotas, não podeis senão ter noção da vossa responsabilidade: quer agora, enquanto candidatos, quer sobretudo no eventual exercício de funções futuras, tendes a obrigação de saber o que se espera de vós. De saber o que isso significa. E de agir em conformidade.

O que se espera de vós: cumprimento desinteressado e responsável do poder que vos será outorgado. Servir. O que isso significa: respeitar o programa por que vos apresentais e de que sois garante, não buscar vantagens pessoais ou para amigos e familiares, ser isentos e imparciais. Servir. Agir em conformidade: exercer o poder com respeito pelas instituições e pelas pessoas, decidir em consciência conforme ao vosso compromisso, respeitar o erário público; ser honestos. Servir.

O que vos peço, queridos amigos, agradecido antecipadamente pela vossa disponibilidade para servir o povo a que pertenceis, é que sejais parte fundamental do esforço para credibilizar a política. A representação. As instituições. O seu descrédito – abram os ouvidos, vejam com olhos de ver – alimenta-se de corrupção, do desvio de bens públicos, da demagogia eleitoral (ah, os cartazes!, ah, as promessas consabidamente impossíveis!), da busca do poder pelo poder, da luta insaciável por lugares e prebendas, da incompetência e do laxismo, do nepotismo; alimenta-se, caros candidatos, da fraca apetência por Servir, em detrimento do ganho pessoal; alimenta-se, já o dizia Camões, da glória de mandar, ó vã cobiça.

Chega. É tempo de mudar. Tem de mudar agora, agora mesmo, antes que seja tarde, e seja quem for que vença. Chega. Estamos fartos. A democracia é maior do que os vossos e os nossos nomes: a democracia é o passado que agradecemos, o presente de que desfrutamos e o futuro que queremos ter. É essencial, para a manter, que tudo mude. Ou, pelo menos, que mude o essencial.

E se o que for melhor para o país, meus caros candidatos, futuros deputados, futuros ministros, não for o que for melhor para vocês, para o vosso partido ou os vossos amigos, pois bem, tanto pior.

Servir é agir de acordo com o que for melhor para o país.”

Post-scriptum. Esta carta aberta do meu desconhecido amigo, que suspeito não vir a ter qualquer eco por parte dos destinatários, faz-me reflectir sobre o estado da democracia entre nós à luz do cenário partidário e das candidaturas às próximas eleições. Fui ver: salvo erro, são 23 os partidos políticos registados no Tribunal Constitucional. Às eleições concorrem 19 listas, considerando as coligações. Milhares de candidatos aos 22 círculos eleitorais que elegem deputados nas eleições legislativas do próximo dia 5 de Outubro. E se os 23 partidos são em princípio todos iguais à face da lei, alguns são mais iguais do que outros: muito mais iguais, aliás. Sem ter em atenção as coligações, há quatro grupos fundamentais:

O mais restrito é o dos chamados partidos do arco da governação, isto é, o PS e os coligados PSD e PP. O 2º grupo inclui os partidos com representação parlamentar, acrescentando aos anteriores o PCP; os Verdes, de novo coligados com o PCP na CDU; e o Bloco de Esquerda. No 3º grupo coloco os partidos que tradicionalmente concorrem às eleições raramente conseguindo um lugar à mesa da representação parlamentar: a Nova Democracia/PND (já elegeu um deputado à Madeira); o “velho” PCTP; o Partido da Terra; o Liberal e Democrata, que em 2011 substituiu o MMS; o Partido Renovador (direita pura e dura); o POUS; os monárquicos do PPM; o Partido Democrático do Atlântico/PDA, o Partido Trabalhista Português e o Movimento Alternativa Socialista (juntos na novel coligação AGIR); o Partido Animais Natureza; e o Portugal pro-vida, partido católico legalizado em 2011. No 4º grupo, as novidades: o Juntos Pelo Povo, com origem na Madeira e legalizado em Janeiro deste ano; o LIVRE, tempo de avançar; Nós, Cidadãos; o Partido Democrático Republicano/PDR de Marinho e Pinto; e o Partido Unido dos Reformados e Pensionistas.

Que concluir, tendo as sondagens por referência? Que provavelmente o arco da governação continuará onde está, que os representados incluirão os partidos do 2º grupo, e que excluídos continuarão os do 3º (não vejo como possa o AGIR fazer papel de Syriza ou semelhante). A questão é saber se algum dos novos partidos tem hipótese de causar uma surpresa, estando os olhos postos em Marinho e Pinto e no LIVRE. Ora na última sondagem o PDR não chegava aos 3% e o LIVRE aos 2%. Não se vislumbra um tsunami partidário em Portugal.

E é por isso que a carta do meu amigo cairá, com toda a probabilidade, em ouvidos de mercador. Mas não diz ela coisas evidentes – banais, de tão evidentes, aliás? É verdade. Não trata de um assunto essencial – a qualidade da democracia e a insatisfação por parte dos cidadãos? É verdade. E é por isso, pela banalidade e pela urgência, que mantenho a esperança de que os eleitos, ainda que venham a ser escolhidos nas listas dos partidos do costume, entendam finalmente que é grave a revolta, que é urgente a mudança.

Servir, não servir-se. Servir Portugal. Só isso.