São os desejos de Natal que aqui ficam neste fim do ano de 2018 que termina com mais incertezas do que o de 2017. Olhar mais para a desigualdade e combater os excessos de policiamento da opinião que ameaçam as liberdades já conquistadas.

O primeiro pedido é que nos ajude a todos a ter bom senso, a distinguir o importante do irrelevante e a ter menos medo do mundo e da diferença. É do medo vem o veneno que está a abalar as democracias. É o medo que está a eleger líderes que são contra as igualdades. E é o medo que está a dar espaço às novas formas de censura.

Para começar precisamos que o bom senso impere entre quem nos lidera. Que os líderes saiam dos seus universos de reuniões importantes e desçam à realidade, conheçam os medos dos povos que lideram. Só assim poderão encontrar soluções que impeçam a construção de muros como o Brexit, aquele que já existe entre os Estados Unidos e o México e que Trump quer aumentar e todos os outros muros que se andam a construir na liberdade de pensamento e opinião.

Não é bloqueando o palco aos partidos de extrema-direita ou extrema-esquerda que vamos impedir que cresçam, trazendo consigo as ameaças à liberdade e igualdade que já detectamos. Os líderes políticos têm de perceber melhor quais são os medos que atravessam a sociedade e começar a resolver os seus problemas.

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Por onde começar? Ninguém diz que é fácil. Todos abemos que a insegurança é o novo normal na era das tecnologias de informação e é por aí que se alimenta o medo. E a insegurança não diz respeito apenas ao medo de ataques terroristas. Está relacionada com todas as dimensões da nossa vida. Não sabemos se amanhã temos um Estado com dinheiro para nos garantir um rendimento no desemprego, na doença e na velhice. Não sabemos se amanhã temos emprego que nos garanta um rendimento suficiente para ter casa, comida e roupa. Não sabemos até se, tendo emprego, esse trabalho nos dará o rendimento suficiente para habitação e alimentação.

O jornal Público tem-nos feito retratos em “O que é ser pobre hoje em Portugal”  e revela-nos que as dificuldades estão dramaticamente em famílias onde se trabalha. Trabalhar deixou de ser sinónimo de ter dinheiro para garantir o mínimo de subsistência. O que se passou em França é o mais recente alerta para o acentuado agravamento das desigualdades, uma desigualdade que está a esmagar a classe média trabalhadora. (Leia-se, por exemplo, a reportagem da BBC onde um investigar diz que o actual modelo económico tem criado uma enorme riqueza mas que está a ser distribuída de forma concentrada e desigual).

As políticas públicas estão desenhadas para combater a pobreza de quem não tem emprego. Mas o problema actual é das pessoas que têm emprego ou algum tipo de trabalho, mas com rendimentos muito baixos e regra geral não vivem nas grandes cidades.

É por isso necessário pedir novas políticas públicas, algumas que podem ser vistas até como radicais aos olhos de quem defende o funcionamento do mercado. Mas são medidas que estão acessíveis à classe política. Uma delas é a subida do salário mínimo.

Sim, várias investigações académicas na economia apontam no sentido de que a existência de uma salário mínimo cria menos emprego – no sentido em que a procura de trabalho é menor. Mas isso é verdade em determinadas condições e, podemos dizer, que pode acontecer quando há muito desemprego ou quando as empresas em geral estão a gerar pouco valor. Mas hoje há menos desemprego, os salários não sobem e há sintomas claros de concentração da riqueza que revelam falhas graves de mercado na distribuição do valor gerado pela economia.

A frase dita pelo primeiro-ministro espanhol Pedro Sáchez sintetiza bem a situação: “Um país rico como Espanha não pode ter trabalhadores pobres”. Uma afirmação que se pode alargar às empresas. E vale a pena equacionar se não se deve ser também radical na adopção de algumas regras a aplicar às empresas – além de aplicar as que já existem o que, em Portugal, falha bastante.

No caso das empresas vale a pena lar o artigo de Martin Wolf no Financial Times “We must rethink the purpose of the corporation” que se baseia no livro “Prosperity” de Colin Mayer e num outro livro “Are chief executives overpaid” de Deborah Hargreaves tratado autonomamente num artigo que pode ser lido aqui (também no FT, para assinantes). Sumariando as respostas que se podem ler nos artigos: sim, os salários dos administradores das empresas cotadas são excessivos e definir que o único objectivo de uma empresa é maximizar o lucro tem destruído mais do que criado valor e tem gerado desigualdade.

Com todos estes dados, o bom senso, que se pede ao Pai Natal que dê aos líderes políticos, passa por retirar daqui lições para medidas de políticas públicas. O que passa pelo salário mínimo, por uma política que limite os salários máximos e por deixar de abusar da tributação indirecta.

Uma delas, a subida do salário mínimo, tem estado a concretizar-se em Portugal, também, neste caso graças em grande parte ao PCP.

A outra pode parecer mais radical no ângulo do liberalismo, mas o mercado está a falhar e, por isso, o Estado tem de actuar e definir, por exemplo, uma regra segundo a qual só faz contratos com empresas que têm um rácio máximo pré-definido entre o salário médio e máximo de uma empresa. Não é fácil de aplicar, nós sabemos, mas vale a pena começar a pensar numa regra que limite os salários máximos – ainda que em Portugal, na onda das reversões, também se tenham revertido algumas regras dessas, nomeadamente na CGD.

O líder trabalhista Jeremy Corbyn chegou a fazer essa proposta defendendo um rácio de 20 para 1 – ou seja, a administração deveria receber no máximo 20 vezes o valor médio pago na empresa. Nas empresas que integram o índice bolsista FTSE 100 os presidentes levam 159 vezes mais dinheiro do que o valor médio do rendimento da empresa. As empresas podiam, aliás, reformular profundamente as suas políticas de responsabilidade social, tirando também elas e os seus accionistas lições do mundo que se gerou, como consequência dos abusos.

Finalmente, ainda neste domínio de pedir ao Pai Natal que os líderes políticos comecem a tomar medidas baseados na realidade, um alerta para a tentação em que se caiu também em Portugal de usar e abusar da tributação indirecta. Um texto de opinião no Politico, assinado por Joss Garman, tinha o seguinte título: “Macron’s mistake: Taxing the poor to tackle climate change”. O que lá se diz aplica-se igualmente a outras áreas que não apenas às alterações climáticas. Em Portugal está a cometer-se o erro de aumentar os impostos indirectos para compensar a redução dos impostos sobre o rendimento, dando às pessoas a ilusão de que a carga fiscal diminuiu. A tributação indirecta, todos sabem, é regressiva, ou seja, agrava as desigualdades.

O segundo bloco de pedidos ao Pai Natal tem como destinatários todos os que têm caído nos excessos do policiamento do que cada um diz, excessos estes que se aproximam da censura e perseguição de quem é diferente. Parece um contrassenso, considerar que se está a violar o direito à diferença, numa altura em que o discurso público político promove as políticas de igualdade. Mas hoje a liberdade de pensamento e de opinião está mais ameaçada do que no passado recente.

Vale a pena ler o que escreveu Rui Tavares por exemplo aqui sobre a tolerância. Agarre-se no paradoxo da tolerância definido por Karl Popper. Sim, a tolerância sem limites pode levar à extinção da tolerância. Quais devem então ser os limites da tolerância à liberdade de pensamento e de acção? Devemos aceitar a liberdade de pensamento de todos os que respeitam os direitos humanos, de todos os que não sejam fanáticos, de todos os que estejam abertos a ouvir as opiniões dos outros com disponibilidade até para mudar a sua opinião, de todos os que não queiram acabar com a liberdade dos outros.

O problema é que começam a existir sintomas, na sociedade ocidental em geral e em Portugal em particular, de fanatismo, de comportamentos tribais e de perseguição a quem não pensa da mesma maneira. E estamos apenas a falar de ataques contra os que não são fanáticos, os que nos deixam pensar e ser diferentes. Chega-se ao ponto de a simples tentativa de explicar as razões da subida do populismo, por exemplo, conduzir a acusações de que se está a querer justificá-lo. Há pessoas qualificadas que dizem que não leem este ou aquele jornal porque a sua tribo é contra ele. Quem são afinal os fanáticos ou os intolerantes?

Neste momento, essa onda do politicamente correcto — que atingiu também o ridículo de se querer mudar os provérbios – pode estar a criar uma reacção ameaçadora das liberdades até agora conquistadas. É muito preocupante, se não mesmo aterrador, perceber que existe já quem explique a ascensão do autoritarismo como uma reacção ao espaço que as mulheres têm conquistado no poder, como se pode ler no artigo da The Atlantic The New Authoritarians Are Waging War on Women. As coincidências são aterradoras. De Donald Trump nos EUA a Jair Bolsonaro no Brasil, de Matteo Salvini em Itália a Rodrigo Duterte nas Filipinas, todos têm em comum afirmações e alguns acções contra os direitos adquiridos pelas mulheres.

Corremos o sério risco de ver as liberdades conquistadas regredirem. Temos a obrigação de procurar as razões que levam as pessoas a elegerem esses líderes. E uma delas pode estar no facto de as conquistas dessas liberdades das mulheres terem criado um sentimento de medo e insegurança no resto da sociedade, com especial relevo para a comunidade masculina. O risco de não reflectirmos sobre este tema é enfrentarmos um retrocesso nas conquistas até agora realizadas, por não termos percebido a onda que se está a formar e, por isso mesmo, não termos adoptado qualquer medida para a desfazer.

Em termos gerais, o pedido que se deixa aqui ao Pai Natal sobre este tema é que não nos transforme a todos em censores, que cada um de nós, hoje em dia, não comece por pensar que talvez não deva dizer isto ou aquilo porque é politicamente incorrecto ou porque vai ser usado pelo grupo A ou pelo grupo B para as suas batalhas ou contra quem emitiu opinião. Temos de ser livres, e deixar que os outros o sejam também ou ficaremos também nós sem liberdade.

São desejos que aqui ficam de igualdade, liberdade e democracia. Feliz Natal. Ou teremos antes de dizer Boas Festas? São estes excessos, de até um simples Feliz Natal poder ser alvo de critica, uma importação dos Estados Unidos, que simbolizam estes tempos que queremos que o Pai Natal modere. Feliz Natal.