Porque é que o Rui Rio defendeu o fim dos debates quinzenais? Porque já não sabia o que podia fazer para elogiar e apoiar mais o governo.

Estamos em 2022 e esta é a carta de agradecimento de António Costa a Rui Rio.:

Meu caro Rui,

amanhã tomaremos oficialmente posse como membros do primeiro governo da IV República de Portugal. Tu foste o rio em cuja fluidez o meu consolado vitalício se concretizou. Quero que saibas que eu tenho consciência disso.

Faz hoje dois anos que aprovámos o fim dos debates quinzenais e um ano que constituímos o Partido Socialista Democrático. Não tenho qualquer pejo em reconhecer que foram eventos cruciais para a instauração da República Socialista Portuguesa. Custou, mas finalmente fizemos com que Portugal seja o primeiro país do terceiro mundo em solo europeu. Também graças a ti, nunca mais deixaremos de ser pobres e Portugal jamais poderá dispensar o socialismo.

E o que fizemos foi maravilhoso. Ainda bem que sugeriste um bloco integral em vez de um bloco central. Não há dúvida que é muito melhor ter um Parlamento só com deputados nossos. Mas, em boa verdade, não posso dizer que os anteriores não fossem obedientes. Afinal, quantas vezes ajudaram a esvaziar o escrutínio parlamentar ao governo? Porém, alguns engraçadinhos insistiam em desafiar. A prontidão e determinação da tua acção, com a imposição da disciplina de voto, consolidou a ideia que tinha sobre o teu autoritarismo. Percebi que podia contar contigo incondicionalmente. Agora que corremos com os dissidentes que votaram contra as nossas intenções quanto ao fim dos debates quinzenais, tenho a certeza de que aquilo que era tácito, passou a ser inequívoco: ou votam como nós queremos ou não serão deputados. Estou seguro de que não voltaremos a ter mais aventureiros. Nem no Parlamento, nem nas nossas hostes. Tal como tu, detesto pessoas com personalidade e independência. A liberdade da consciência deve sujeitar-se sempre aos desígnios dos líderes partidários.

E que dizer do Marcelo Rebelo de Sousa? Acreditas que ele pensou que eu ia continuar a tolerar aquelas chamadas inusitadas com perguntas sobre competências do poder executivo? Será que ele pensou que ia mesmo ter um mandato presidencialista? Era só o que faltava. Aprendi a lição quando perdi as eleições para a associação académica da faculdade de direito da universidade de Lisboa. Nunca mais dei as chaves a ninguém. E, apesar de tudo o que fizeste por mim, também não as darei a ti.

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Mas olhemos para a frente. O mal está corrigido e este país está diferente. Os liberais continuam a chatear, mas como estão proibidos de concorrerem às eleições é deixá-los falar. Até servem para dar a aparência da pluralidade.

Rui, agora és ministro no meu governo. És o último da lista, mas não deixas de ser ministro. Espero que aprecies a gestão dos jardins. No entanto, para não teres ideias enquanto olhas para o horizonte, ficas a saber quais são os parâmetros de orientação: não faças melhor ou pior do que eu. Podes frequentar a casa, mas jamais terás as chaves.

Finalmente, lembras-te do plano do António Costa e Silva? Aquela maravilha que não passava da demonstração do vazio. Estou certo de que concordarás que não há nada mais socialista do que o vazio. E ainda recordas o remate final? Mais Estado. Mais Estado. Mais Estado! Amanhã vou anunciar a sétima travessia sobre o Tejo, a quarta auto-estrada Lisboa/Porto e o TGV entre Viseu e Vila Real. Sim, nada de aeroportos. Agora que me livrei do Pedro Nuno Santos já chega de voos. Dito isto, chamo-te à atenção do seguinte: espero que sejas o primeiro a aplaudir e que aplaudas entusiasticamente.

Um abraço do teu primeiro,

António Costa.

Post-Scriptum: Como defensor do pluralismo, da liberdade, do assumir das responsabilidades e, principalmente, como fundador da Iniciativa Liberal, quero publicamente expressar o meu agradecimento aos deputados que colocaram a democracia acima dos interesses partidários.

PS: Ana Paula Vitorino, Carla Sousa, Cláudia Santos, Isabel Moreira, Joana Sá Pereira, Maria Begonha, Marta Freitas, Sónia Fertuzinhos, Susana Correia, Ascenso Simões, Bacelar de Vasconcelos, Bruno Aragão, Capoulas Santos, Eduardo Barroco de Melo, Filipe Neto Brandão, Fernando Anastácio, Francisco Rocha, Hugo Oliveira, João Paulo Pedrosa, Jorge Lacão, José Magalhães, Marcos Perestrello, Miguel Matos, Nuno Fazenda, Olavo Câmara, Sérgio Sousa Pinto, Tiago Barbosa Ribeiro e Tiago Estevão Martins;

PSD: Margarida Balseiro Lopes, Alexandre Poço, Álvaro Almeida, Emídio Guerreiro, Pedro Pinto, Pedro Rodrigues e Rui Silva.