Na Grande Reportagem da SIC, transmitida no Jornal da Noite de 2022-01-8, o Snr. Ministro Eng. J. Matos Fernandes fez afirmações demagógicas ou reveladoras de ignorância técnica sobre o setor que tutela, designadamente:

1. “Nos grandes anos do carvão… Portugal foi altamente importador de eletricidade”

Haver um saldo importador e elevada produção a carvão apenas significa que o custo variável da produção a carvão nacional (combustível mais custo de licenças de emissão de CO2) foi, em muitas horas, inferior ao preço marginal de fecho do MIBEL. Assim, a produção térmica que viu a sua quota de produção reduzida, por efeito de substituição por importação, foram as centrais de ciclo combinado a gás natural, nessas alturas com custos variáveis mais elevados.

Na realidade, nos mercados grossistas à vista marginalistas, de que o MIBEL é um exemplo e que se encontra acoplado com o mercado diário francês e similares da UE, em cada hora o sistema com preço marginal mais baixo exporta para o(s) sistema(s) com preço marginal mais elevado, mesmo sem darmos por isso. Se houver capacidade de interligação suficiente os preços convergem para um valor comum (mais elevado do que o de partida no sistema exportador e mais reduzido no importador). O MIBEL tem uma convergência de preços das melhores na UE, o que não acontece em relação a França, ficando muitas vezes um diferencial de preço por esgotamento da capacidade de interligação Espanha – França.

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2. “No último ano a importância do carvão representou 1,4% da eletricidade produzida em Portugal”

A Central do Pego a carvão valia muito pela potência firme que assegurava e não agora pela menor quantidade de energia anual que produzia. O seu encerramento, antes da entrada em serviço do aproveitamento do Tâmega da Iberdrola, é um risco reconhecido e que torna imprudente o seu não prolongamento como reserva estratégica por esse período. Esperemos que o fim do CAE — Contrato de Aquisição de Energia da central de ciclo combinado da Tapada do Outeiro, em 2024, seja gerido com maior clarividência.

De facto, com o aumento da penetração da produção eólica e fotovoltaica, as térmicas fósseis vão perdendo a sua quota-parte natural de produção, cumprindo o objetivo de redução das emissões de CO2. Mas estas renováveis variáveis valem apenas pela energia anual que entregam, qualquer que seja o valor da sua potência instalada. Uma vez que não asseguram potência estatisticamente firme é necessário assegurar o backup da potência de carga de consumo por outros meios, sendo o valor do indispensável apoio exclusivamente dependente dessa carga (ponta nacional no inverno, sensível à temperatura e luminosidade) e não do nível de penetração das renováveis variáveis.

3. “Havia de facto um subsídio perverso que era pago para produzir eletricidade a partir do carvão… O governo foi acabando com esse benefício… quando chegou aos 50% de desmame… Sines deixou de ter condições para produzir… a eletricidade que vendia era de tal forma cara que ninguém lha comprava”

Não existia qualquer subsídio, mas uma isenção de ISP – Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos para produção de eletricidade, a partir de 1991. Para além do custo dos direitos de emissões de CO2 as centrais nacionais a carvão passaram, via OE2018, a ter um imposto adicional no ISP aplicável de 25% em 2019 e 50% em 2020. Num país com considerável produção renovável e com valor muito reduzido de emissões de CO2 per capita, valeu a pena esta ação governamental, ao fim de 27 anos, dirigida especificamente ao carvão e para prejudicar a exploração rentável e em mercado livre da Central de Sines?

Como consequência, em 2020 o custo variável de Sines ficou efetivamente desfavorável em relação à margem de contribuição esperada (preço de venda no MIBEL menos custo variável). Portanto, a capacidade para recuperar custos fixos ficou limitada, aspeto indiferente para a Central do Pego a carvão, pois tinha os custos fixos pagos pelo CAE, o qual pagava a potência disponível, tipo aluguer de longa duração desta Central. Assim, justificou-se o encerramento de Sines em 2020 e não se adivinhou que, em 2021, ano recorde mundial de produção a carvão (segundo a Agência Internacional de Energia), voltaria a ter maior competitividade, graças ao grande aumento do preço internacional do gás natural. Mas como o que interessa é o valor em mercado das empresas e aquela restrição já estava incorporada no valor da ação EDP, recorda-se que, em vez de continuar a consumir recursos nessa Central, a perda contabilística correspondente acarreta, geralmente, uma perda fiscal, ou seja, uma forma real de poupança para o proprietário, o que contribui para o valor intrínseco do desinvestimento.

Refira-se ainda que antes do MIBEL competia ao Despacho Nacional a minimização do custo de combustíveis, na otimização económica do sistema electroprodutor nacional. Mas ao contrário da “riqueza” de agora, os tempos difíceis dos anos 80 foram de penúria de divisas, custo elevado de combustíveis, redução de consumos por decisão de não iluminação de edifícios e monumentos, como ainda de fecho da TV às 24 horas. Neste quadro, o Despacho recorreu, quando possível e vantajoso para o setor elétrico nacional, ao que poderia ser interpretado como fuga ao ISP. Contou com o apoio do Despacho espanhol, pois contratava-se fuelóleo a uma refinaria espanhola e como era para exportar para Portugal, não pagava aí impostos. Na realidade não chegava cá e, portanto, não pagava ISP. Era queimado na central térmica adjacente à refinaria e recebia-se a eletricidade correspondente via interligações [1] (claro que havia pagamento em espécie para os serviços prestados, via taxa de conversão acordada para o combustível em eletricidade). Talvez esta prática tenha conduzido à isenção citada de ISP, aliviando os consumidores, os que no fim pagam, da sobrecarga de impostos sobre o setor.

Lisboa, 9 de janeiro de 2022.

[1] Dizia-se que a central funcionava à maquia. Quando passaram de moda os CAE ou Power Purchase Agreements apareceram os Tolling Agreements, algo semelhantes: um investidor assumia a responsabilidade de construir e explorar a central (risco de disponibilidade e de eficiência apenas); outra entidade fornecia o combustível e recebia e comercializava a eletricidade produzida (risco de mercado e comercial). Há um exemplo em Portugal: a central de ciclo combinado a gás natural do Pego.