Provocou para aí um grande banzé o facto de Cavaco Silva não querer pronunciar-se sobre o financiamento que a sua campanha para a Presidência da República em 2011 recebeu através do saco azul do BES. Mas qual é a surpresa? É natural que Cavaco não queira arriscar falar assim de chofre sobre um tema tão delicado. Todos sabemos que as palavras nunca foram propriamente o forte do ex-Presidente. Cavaco sempre foi, isso sim!, um homem das contas. Menos das contas relativas ao financiamento da sua campanha para as Eleições Presidenciais de 2011, claro. Dessas não fazia ideia rigorosamente nenhuma, como é óbvio.

É óbvio e é pena, aliás. Estou em crer que, enquanto professor de Finanças, Cavaco ficaria encantado se tivesse tido oportunidade de contemplar a exactidão com que aquelas dez transferências foram feitas para a sua campanha por dez altos responsáveis do Grupo Espírito Santo, todas elas quase exactamente do mesmo montante, sendo depois reembolsas precisamente pelos mesmos valores a cada um dos doadores pela ES Enterprises. Ali, tudo certinho ao cêntimo. Não há dúvida que quando se é obscuramente financiado com este rigor é outro hipotético gosto. Tanto é que houve logo quem, torpemente, insinuasse que a célebre declaração de Cavaco Silva em 2014 “Os Portugueses podem confiar no Banco Espírito Santo” teria sido complementada, já off the record, com um “Pelo menos a mim sempre pagaram o que era devido a tempo e horas”.

O que é claramente uma infame insinuação. Infame porque fundamentada num tortuoso argumento: se em 2014 Cavaco Silva assegurou aos portugueses que podiam confiar no BES significa que considerava os gestores do banco competentes; num banco, profissionais competentes fazem bons investimentos; um bom investimento é aquele que dá um retorno interessante a quem aplica o seu dinheiro; ora, se um grupo de altos responsáveis do BES aplicou o seu dinheiro na campanha de Cavaco à presidência é porque esperavam tirar daí… Intrincado, este raciocínio. E falho, porque no meio de tão bem urdida marosca aparentemente ninguém se lembrou de avisar o ex-Presidente que se estava a fazer esta vaquinha.

A polémica em torno do ex-inquilino do Palácio de Belém abafou a polémica em torno dos quase ex-residentes do prédio Coutinho em Viana do Castelo. O edifício que foi construído onde antes havia um mercado e que vai agora ser demolido para no seu lugar ser construído um mercado. A razão pela qual foi erigido um prédio de 13 andares no tempo que mediou entre a desactivação do mercado antigo e a edificação de um mercado novo permanecerá um mistério. Agora, não há dúvida que quem sai prestigiado de toda esta polémica é José Sócrates, o dinamizador, enquanto ministro do Ambiente, da demolição do prédio Coutinho. É verdade que as casas que projectou para a Câmara da Guarda nos anos 80 eram de gosto duvidosíssimo, mas se por um lado o ex-Primeiro Ministro não terá grandes motivos de orgulho das obras feitas, poderá em breve orgulhar-se desta obra desfeita. Tudo isto enquanto, ironicamente, está sossegado numa casa que não é sua, ao passo que os moradores do prédio Coutinho não consegue estar sossegados nas suas casas.

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