1 Quem, como nós, os mais velhos, fomos acompanhando ao longo dos anos a vida interna do CDS (o mesmo se diria do PPD/PSD, do PS, e dos partidos democráticos em que os congressos efetivamente decidem e em que há facções e lutas pelo poder), não é qualquer escaramuça guerrilheira, por mais ressabiada, acre, contraproducente e inopinada que nos leva ainda a rasgar as vestes. Sem desvalorizar o endémico fenómeno, se fossemos realmente fazê-lo, poucos escaparíamos à mais crua nudez! Continuemos a andar, fujamos ao ruído, preservemos a integridade das nossas camisas, blusas ou blasers, e, sobretudo, escapemos aos salpicos berrados de saliva e lama de infantis irracionalidades passionais. Não por compactuação resignada, apenas por uma questão de higiene, saúde e economia. Há muito que fazer e pouco tempo!
O deplorável andaço continuará a satisfazer o jornalismo de “leva-e-traz”, que prefere a escalpelização do “bate-boca” à análise dos programas políticos, a retórica fácil da execração escandalosa ao discernimento e contabilidade de sucessos lenta e paulatinamente incubados, as “mortes”, cíclica e gregariamente vaticinadas, à capacidade de detetar admiráveis sinais de pervivência, transmissão e vivificação geracional de um urgente e perene quadro de valores de humanismo personalista.
A Declaração de Princípios que acompanhava a apresentação pública do CDS (datada de 24 de Julho de 1974) conserva a sua frescura de então, não obstante os anos, e a verdade é que este partido fundante soube sempre estar do lado seguro da vida, da recta razão, da democracia social e do sentido do bem comum. Também do devir histórico nacional. A Europa da UEDC esteve com o CDS cercado do Palácio de Cristal, e nunca o CDS teve dúvidas quanto à natureza europeia da identidade cultural do país. Uma Europa de valores identitários a construir, «do Atlântico aos Urais», e não apenas a da economia e do Mercado Comum. No seu segundo Congresso, em Alvalade, “Por um compromisso popular e europeu”, não apenas esse rumo se confirmou, como, por vontade expressa dos congressistas, se definiu que essa opção nada empanaria, antes potenciaria, uma futura relação de privilegiada fraternidade com os países de língua portuguesa.
Face à atual esquerda radical, fraturante e sem história, face a todas as ondas, oportunismos políticos de ocasião e orquestradas agendas dos media, o CDS permanece hoje resistente depositário de valores e de uma esperança regeneradora: a mesma dos seus princípios primigénios que deixaram assinalável marca positiva no nosso trajeto coletivo do pós-25 de Abril, sempre incompleta e subsidiariamente aplicados – é certo –, mas cuja valia continua disponível para quando a nação decida voltar a empolgar-se com “desígnios”, para quando a sociedade privilegie o médio e longo prazo relativamente à curta intriga e ao imediatismo do poder, para quando (e não será preciso muito tempo) os eleitorados prefiram os valores civilizacionais e éticos que vertebram as sociedades à rampa deslizante do relativismo e do materialismo. No centro, centro-direita e direita (agora, abusivamente, a rotulação que substitui os sujeitos ativos, só conhece preto e branco, direita e esquerda) impõe-se uma grande convergência de salvação nacional e regeneração. Um CDS, enquanto direita patriótica, democrática, social e moderada, forte na decência cívica e no amor às regras de convivência e solidariedade, continua a deter enorme potencial de oferta ao serviço de Portugal.
2 Hoje, felizmente, o CDS tem um qualificadíssimo jovem líder eleito, tão idealista quanto capaz de, pragmaticamente, se impor, anunciar e cumprir objetivos realistas de curto prazo. Algo que é comprovável factualmente, por muito que os seus adversários, por entre contradições e gaffes auto-descredibilizadoras, se esfalfem em negá-lo.
Apenas conheci pessoalmente Francisco Rodrigues dos Santos (FRS) no Congresso que o elegeu. Como muitos dos mais antigos no partido, cansados de aparelho a mais e de mais do mesmo, rendi-me ao entusiasmo irradiante e agregador de FRS e à oportunidade por si consubstanciada de renovação. Conheci todos os presidentes do CDS e, disciplinada e institucionalmente, a todos secundei, honrando o sufrágio do universo das bases legitimamente expresso. Pelo simples facto de ter cerrado fileiras com aqueles que, em horas difíceis do país, acharam importante demonstrar a Paulo Portas sincera admiração e solidariedade políticas, experimentei – surpreendido – a vazia e habilidosa etiquetagem de “portista”. Ainda recentemente, no tempo da Doutora Assunção Cristas, na minha esfera de relações, sempre me pronunciei e movi para a ver reconhecida e vitoriosa, quando vozes, hoje críticas de FRS e da sua direção, colocavam reservas relativamente às diretrizes da sua liderança de então. Enfim, não me posso dar mal nem queixar de um facto arrancando da minha autonomia de observação crítica, ausência de pulsão sectária e ambição política. Devo francamente confessar que, preocupado mais com a segurança, serviço público de provas dadas e arquitetura de pensamento político estruturado, a nenhum presidente emprestei mais admiração do que a Adriano Moreira, um servidor de excelência da instituição CDS, mas que ainda hoje, pela memória da exiguidade do seu grupo parlamentar em tempos de maré cheia de voto útil cavaquista, ressuscita injustas ironias.
Politicamente, tenho para mim que só depois de pensar bem e corretamente importa avaliar a contabilidade dos votos.
Helmut Kohl passou largos anos de paciente e discreta oposição até que as urnas se lhe abrissem vitoriosamente. Ora acontece que uma das maiores fatalidades do CDS foi ter tido dirigentes históricos de envergadura, mas que não tiveram paciência para o demorado e doloroso caminho das pedras, de sedimentação, implantação e estruturação territorial, achando o partido inferior à dimensão do seu protagonismo pessoal e incapaz de o sustentar vitoriosamente. Sem desdouro para o que coletivamente devemos a cada um, Freitas do Amaral, Basílio Horta e Lucas Pires são exemplos, creio que nítidos, do que aqui se afirma. Ora, passado tantos anos e vicissitudes, se no passado se increpava a Adriano Moreira o peso dos anos, hoje estranha-se a FRS a sua juventude…
Desde a sua eleição democrática no Congresso de Aveiro, tem tido admirável a sua paciência para resistências insidiosas e ofensas pessoais, só recentemente, um pouco à maneira de Sá Carneiro, cedendo a responder à letra e “em defesa da honra” aos seus críticos internos. Desses últimos incidentes (e surpreendentes ironias) resultam – afinal – mais claramente sublinhados, na ordem real e concreta, alguns pontos: espaços e situações comuns, sem pompa nem circunstância, como uma tasca visitada com naturalidade fora do exclusivo tempo de eleições ou um regimental sufrágio para uma qualquer associação de estudantes, podem sociologicamente ser muito mais significativas e promissoras do que as madeiras e embutidos de um Salão Árabe onde, sem solenidade e sem casaca, confraterniza uma luzida confederação de amigos, incondicionais e de ocasião; o “escritório de rua” de FRS, o diálogo empático com o cidadão comum, o suado trabalho de reimplantação, árduo, quotidiano, sistemático, permanecem como imperativo.
O fruto vem depois, mas faz-se já anunciar em saborosas primícias, inteligente e humildemente antecipadas. E, mais importante que tudo: ao contrário de inveterados costumes de imodéstia inicial e premonitória, FRS também sonha “com amanhãs que cantam”, mas com um estoicismo de que já não tínhamos memória no CDS. Entre tanta gente que esbraceja, parece-nos mesmo o único com virtu e força anímica que se apresta à liderança sem recusar passar o “caminho das pedras”. As do caminho em curso, que lhe ferem os pés, e as que cruamente lhe atiram do ar e o mortificam, mas, espantosamente, o encontram constante, desejoso de acrescentar, somar, servir.
Pedro Vilas Boas Tavares