Amanhã, 6 de Novembro, faria 100 anos. Celebramos o centenário de Sophia do primeiro ao último dia deste ano, mas é impossível passar ao lado do dia do seu aniversário. No meu caso, que fui sua nora e continuo a ser mãe do seu neto mais novo, esta data sempre foi duplamente celebrada no meu coração por ser o dia do nascimento de duas mulheres que marcaram profundamente a minha vida. A uma, a minha querida avó Laurinda, devo o nome e a melhor herança que poderia ter recebido: o seu exemplo de bondade, a sua abertura aos outros, a sua maneira de abraçar e acolher todos os que chegavam à sua grande casa, a sua alegria e, acima de tudo, o seu coração inteligente.

A Sophia devo, primeiro, os contos infantis que povoaram os meus sonhos de infância, bem como muitas horas de leitura esquecida das horas. Eu, e tantos como eu, crescemos a ouvir as suas histórias e, por isso, o imaginário da nossa geração continua a ser habitado pelos que habitam as casas, os jardins, as florestas, as praias e o mar de Sophia. Depois, aos vinte anos, quando a conheci pessoalmente, passei desse fascínio distante, próprio de quem era apenas leitora, para um grande amor feito de proximidade, admiração e respeito pela pessoa real. Guardo desses quase vinte anos de vida em família o eco inapagável da sua voz quando contava outras estórias, as suas gargalhadas inesperadas, uma cumplicidade terna e duradoura, cúmulos de momentos únicos em que nos conhecemos e demos a conhecer sem poses nem máscaras, assim como uma soma quase infinita de conversas mais ou menos avulsas e de instantes vividos na pureza do silêncio das casas onde tecemos os fios invisíveis de uma ligação que não só nunca se perdeu, como permanece intacta.

Sophia era, como todos sabemos, uma mulher extraordinariamente dotada e fabulosamente incatalogável, sobre quem outros sabem falar muito melhor que eu. Comecei por ser apenas mais uma leitora devota da sua prosa e da sua poesia, mas quando a conheci dentro do seu círculo familiar a minha devoção converteu-se para sempre em amor e gratidão. Agradeço a Sophia a mesma verticalidade que reconheci e admirei na minha avó Laurinda, a mesma ética irrepreensível, mas também um olhar elevado, uma estética depurada, um olhar inaugural para um mundo de luz e sombras ao qual Sophia sempre devolveu – ou restaurou com as suas palavras – pureza e beleza.

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