Desde o começo desta pandemia os cidadãos foram forçados a pagar com a sua própria pele anos de ineficiências do Estado com restrições, confinamentos, obrigações, proibições, chantagem e privação de liberdade. Desde o começo desta pandemia milhares pessoas foram violentamente discriminadas e forçadas à pobreza, tornando-se dependentes da magnanimidade do Estado.

Nunca houve um plano para lidar com o vírus com base em dados científicos apresentados de forma transparente (isto é, da única forma que a ciência admite), mas uma série de solilóquios diários e invectivas moralistas, disfarçadas de ética. A implicação de tudo isto foi que o Governo, ao invés de apoiar o cidadão a fazer uma escolha informada, quis obrigá-lo a seguir as suas directrizes, como se a principal função do Estado fosse a de proteger o cidadão de si mesmo. Obviamente que o resultado só podia ser o da total falta de respeito democrático que é devido a todos os cidadãos, mesmo àqueles que defendem posições extremas, absurdas e inabaláveis.

Bem sintomático deste paternalismo do século XIX é o silêncio do Primeiro-Ministro diante da elevadíssima taxa (85%) de pessoas totalmente vacinadas. Não ouvimos uma palavra sobre a necessidade de reforçar o SNS e de uma campanha de informação relativa à cada vez mais reduzida eficácia das vacinas (seis meses), que significa que, em breve, milhares de vacinados serão de novo excluídos da vida social – a não ser que sejam inoculados com uma nova dose dupla, tripla e assim por diante. Pelo contrário. Anunciou o “fim das restrições”, quando, na verdade, não só não parece satisfeito com o elevado número de vacinados como continua a restringir a liberdade de escolha dos cidadãos. Refiro-me à exigência de apresentação de “certificado digital” para efeitos de acesso a estabelecimentos de saúde, grandes eventos culturais, desportivos ou corporativos, bares e discotecas, entre outros.

Ora, o cidadão comum sabe que a contagiosidade dos vacinados está amplamente comprovada. Sabe também que o “certificado digital” foi criado com um objectivo muito claro e que se circunscrevia a facilitar a mobilidade dos cidadãos entre os países da União Europeia. Não foi, em momento algum, pensado para ser usado pelos governos para gerar situações de pobreza, desconforto, discriminação, marginalização, humilhação e até bullying. Para além disso, sabemos hoje que o “certificado digital” não tem base científica comprovada, uma vez que partiu do pressuposto de que as pessoas vacinadas não infectam. O cidadão comum sabe, ainda, que o considerando n.º 36 do Regulamento UE 953/2021 proíbe qualquer discriminação directa ou indirecta de pessoas que não estão vacinadas.

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O que o cidadão comum talvez não saiba é que a toma de vacina carece de um consentimento informado livre e esclarecido pelo destinatário da mesma. Que a informação deve ser prestada previamente de forma simples e adequada quanto ao objetivo, consequências, riscos e alternativas, o que não se verifica em relação às vacinas contra a Covid-19. E porquê? Porque a informação existente é escassa e há demasiadas incertezas sobre os efeitos adversos graves ou danos causados pela vacinação no curto e médio prazos. Por conseguinte, o cidadão dá autorização para ser vacinado, mas sem “o ‘informado” a que tem direito.

Porém, mais do que a exigência de um consentimento informado, interessa-me a questão da liberdade (embora a falta de informação suficiente disponível afecte a liberdade porque, na sua ausência, a decisão do cidadão não é livre). É neste ponto que o tema assume maior relevância, porque para que o consentimento seja considerado válido, deve ser voluntário. E não é. Porque o Governo, ao exigir a apresentação de um documento comprovativo da inoculação da vacina, está a forçar a vacinação. Não é uma obrigação de jure, porque não há uma lei que exija a obrigatoriedade da vacina contra a Covid-19, mas sim uma obrigação de facto, visto que se o cidadão não se vacinar não poderá exercer uma série de liberdades constitucionalmente garantidas. Ou seja, há uma obrigação legal indirecta de vacinar. Logo, quando o cidadão se vacina, porque sabe que sem o “certificado digital” fica impedido de realizar determinadas actividades, podemos afirmar que expressa o seu consentimento livre? É claro que a resposta é não: esse consentimento está viciado pela falta de liberdade para expressá-lo. É um consentimento contrário ao art.º 5.º da Convenção de Oviedo, que estipula que “uma intervenção no domínio da saúde só pode ser efectuada depois de o interessado ter dado o seu consentimento livre e esclarecido”.

Apenas o consentimento para prevenir o vírus é voluntário, enquanto que o consentimento expresso para evitar efeitos adversos graves não é voluntário. Assim, quando milhares de pessoas declaram que só se vacinaram porque de outro modo não poderiam fazer isto e aquilo, expressam um consentimento viciado, inválido, porque não é voluntário. É uma extorsão sob ameaça.

Em suma, só mediante uma lei que obrigue explicitamente a vacinação é que deixaria de fazer sentido contestar o vício do consentimento por falta de liberdade, justamente porque esta passaria a ser imposta e não proposta.

Assim, ao insistir na apresentação do “certificado digital”, o Governo não só viola de forma grosseira a legislação supracitada, o princípio da igualdade vertido no artigo 13.° da Constituição, bem como o artigo 154.º do Código Penal: “Quem, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”. Para que tal não aconteça, o Governo terá de provar que a vacinação é necessária e eficaz. Se o fizer, terá de aprovar uma lei que obrigue todos a serem vacinados. Porém, até prova em contrário, essa obrigação permanece ilegal, indigna e injusta.