Quando as forças de direita moderada e de esquerda moderada entraram no parlamento após 1974 tinham líderes que foram convidados a constituírem partidos e que detinham uma vida profissional paralela já reconhecida na sociedade. 

O jogo de ascensão intrapartidária feito à moda dos dias de hoje, realizado “à canelada e à batota” dentro de concelhias, federações, etc. estava posta de parte. Não precisavam disso, nem de falar aos berros do Benfica, do Sporting ou do Porto para terem bons índices de popularidade. As relações dos líderes das principais forças democráticas, com excepção do PCP, eram em alguns casos de amizade. Grande parte da população não sabe mas a existência de reuniões entre Sá Carneiro, Mário Soares e Freitas do Amaral era habitual como forma de travar uma ameaça de ditadura comunista.

Este espírito de civilizar a extrema direita e a extrema esquerda foi o principal legado que os três líderes de que falei anteriormente nos deixaram, não pactuaram com extremismos. Mário Soares “civilizou” a extrema esquerda. Freitas e Sá Carneiro “civilizaram” a extrema direita. A casa da democracia, à imagem destes líderes, tinha regras, educação e havia consideração pelo novo regime emergente.

Montenegro alinhou com a extrema direita esta semana quebrando a tradição dos fundadores da democracia. Contribuiu desta forma para a “normalização”, como disse André Ventura com razão. Nuno Melo do CDS ficou também calado, mas esta atitude por parte deste protagonista da última zaragata pública do CDS não me admira, pois a sua proximidade a membros do CHEGA fará com que a sua próxima casa política seja esse partido, dado o seu perfil ultra conservador.

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Montenegro, membro do Governo mais à direita da história da Democracia, está a quebrar as linhas vermelhas e isso é perigoso para todo o sistema democrático. O PSD de social-democrata terá muito pouco no futuro se esta deriva de Montenegro continuar. E o CDS, encurralado, com o seu espaço político ocupado, só crescerá se decidir conquistar eleitorado onde o seu fundador conquistou, até Manuel Monteiro e Paulo Portas em 1993 terem mudado a sigla do partido e terem ido à conquista do eleitorado que agora CHEGA e Iniciativa Liberal lhe roubaram.

Montenegro desta forma está a encostar novamente o PSD à direita, tal como o fez no tempo da troika, juntamente com Passos Coelho.

Também não posso deixar de referir o espetáculo a que assistimos nos últimos tempos com o grupo parlamentar do CHEGA a ausentar–se em pleno discurso de Augusto Santos Silva, destruindo desta forma a herança que foi dada a todos os portugueses pelos senadores e fundadores da nossa democracia. Bem sei que a extrema direita no estrangeiro cresce e que em Portugal também mas é sem dúvida uma moda que passará e que será enterrada pelos próprios membros destes novos partidos extremistas.

Existir uma retirada do grupo parlamentar enquanto o Presidente da Assembleia da República fala é ultrapassar todos os limites das regras que sustentam os pilares da nossa democracia, é achar que um partido ou uma “celebridade” está acima das regras éticas que se deveria ter para se assumir o lugar de deputado na Assembleia da República. Eu diria mais, como a minha avó me dizia, “é falta de cházinho”.

Mas ainda mais grave é o líder desta nova direita aparecer ao microfone, com todo o seu grupo parlamentar, com uma vozinha doce acriançada, pondo as culpas em que se manteve no seu papel e no seu lugar.

A partir deste dia de deserção “mal criada” do CHEGA, esta direita não merece contemplações na forma como será confrontada, porque também desconsiderou o legado e a forma como os pais da Democracia nos deixaram o sistema democrático que tem defeitos, é certo, mas que, como dizia Churchill, ainda é melhor que todos os outros regimes.