‘Havia uma contradição na visão de Churchill sobre a Europa’, disse o seu secretário John Colville. Essa alegada contradição foi revisitada em detalhe na Palestra-Jantar Churchill da passada quinta-feira, no Palácio da Cidadela de Cascais. O orador foi Antoine Capet, professor emérito de Estudos Anglófonos na Universidade de Rouen, na Normandia.

No centro dessa alegada contradição terá estado uma dupla posição de Churchill: por um lado, foi um empenhado defensor do que chegou a chamar ‘uma espécie de Estados Unidos da Europa’; por outro lado, viu sempre com renitência a integração do seu país na comunidade europeia que advogou.

Antoine Capet recordou alguns dos momentos cruciais em que Churchill defendeu a criação de uma comunidade europeia. Logo a seguir à II Guerra, em Novembro de 1945, Churchill defendeu perante o Parlamento belga a criação dos ‘Estados Unidos da Europa’. Em 1946, reafirmou a mesma ideia em pelo menos três discursos que ficaram célebres: em Fulton, Missouri, em Março, na presença do Presidente Truman, quando pela primeira vez denunciou a ‘Cortina de Ferro’ imposta sobre a Europa pelo comunismo soviético; no Parlamento britânico, em Junho, quando defendeu a ‘restauração da glória europeia’; na Universidade de Zurique, em Setembro, quando afirmou que ‘não pode haver um renascimento da Europa sem uma espiritualmente grande França e sem uma espiritualmente grande Alemanha.’

Por outras palavras, Churchill foi um dos primeiros proponentes da reconciliação das nações europeias num projecto comum de cooperação e integração. Simultaneamente, porém, não incluía o Reino Unido integralmente nesse projecto — embora advogasse que os britânicos deviam apoiá-lo sem reservas.

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Aparentemente, a principal razão deste paradoxo terá residido na visão de Churchill sobre o papel do seu país na aliança mais vasta do que designou por ‘nações livres’. Surgem aqui os célebres três círculos que terá desenhado em 1948: o círculo das nações do Império britânico e da ‘Commonwealth’; o círculo dos países de língua inglesa, incluindo o Canadá e os EUA; o círculo das nações da Europa. Na intersecção desses três círculos, argumentou Churchill, está o Reino Unido — e por isso não poderia estar totalmente integrado na Comunidade Europeia, sobretudo se esta assumisse uma dimensão supra-nacional.

Antoine Capet falou como historiador e não como defensor de um ponto de vista particular. No período de debate, acabou por reconhecer que era contra a saída do Reino Unido da União Europeia e que lhe desagradara a ideia de colocar a questão em referendo. Simultaneamente, acrescentou, o referendo ocorreu e deve ser respeitado. Por outro lado, sublinhou, ninguém pode obviamente saber ao certo como Churchill teria votado nesse referendo.

Talvez a visão desapaixonada do historiador possa constituir um conselho de moderação para ambos os lados nas complexas negociações em curso sobre o ‘Brexit’. Talvez aos britânicos seja útil recordar que a relutância de Churchill em integrar o seu país no projecto europeu foi sempre acompanhado de apoio activo a esse mesmo projecto. E talvez à União Europeia seja útil recordar o reverso: que o apoio de Churchill ao projecto europeu foi sempre acompanhado de relutância quanto ao lugar do seu país.

Por outras palavras, não será certamente impossível encontrar uma solução razoável que garanta o mais importante: a permanência da cooperação entre a União Europeia e o Reino Unido.