Que a Itália é tradicionalmente ingovernável não é nenhuma novidade. Que medra e prospera apesar do Governo ou sem governo nenhum também não constitui constatação inovadora. Que o triunfo paulatino, na Europa, das forças políticas populistas, anti-globalização e euro-cépticas  possa ter-se por facto adquirido e consumado não espanta já ninguém.

A novidade emergente das últimas eleições na bota da Europa será apenas, porventura, a magnitude e o estrondo da vitória que obteve o Movimento 5 Estrelas, enquanto partido mais votado, e a ascensão meteórica da Liga Norte.

O partido anti-partidos, fundado pelo carismático palhaço Beppe Grillo e esmeradamente re-maquilhado por Luigi di Maio, tem vindo ao longo dos últimos anos a conquistar espaço eleitoral assente num discurso contra o sistema, profundamente desconfiado das instituições – especialmente das transnacionais – e sistematicamente destrutivo em relação à economia de mercado. A Liga Norte, por seu turno, vem cavalgando a insatisfação crónica dos cidadãos em relação às “elites” e apostando numa linha de propaganda que é sob o ponto de vista social claramente xenófoba (em concerto, de resto, com a Frente Nacional francesa) e que se revela igualmente fechadora e proteccionista em termos económicos.

Odeio dizer que avisei – mas eu avisei. O crescimento das forças populistas e demagógicas, anti-tudo, desde o capitalismo até à integração europeia, passando pela globalização e chegando à propriedade privada dos meios produtivos tem sido uma evidência para a qual venho alertando desde há três ou quatro anos para cá e que se revela consistentemente em França, na Itália, na Holanda, na Áustria, na Hungria e em Portugal, para citar apenas alguns casos.

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No nosso país, o deslumbramento com a originalidade e a sobrevivência improvável da geringonça tem sido tal, da imprensa aos próprios actores económicos, que Portugal é agora apontado mesmo como uma excepção à influência e ao domínio das forças populistas, demagógicas e frontalmente adversárias do capitalismo de mercado. Uma excepção!

Impõe-se recordar, pois, que este país é governado com o apoio de um Partido Comunista, que reclama permanentemente “uma política patriótica” – arredada e independente, portanto, dos “ditames” da União Europeia e essencialmente fechada e nacionalista.

Impõe-se relembrar que este Governo é sustentado, por outro lado, pelo Bloco de Esquerda – o partido da estrela vermelha (neste caso é só uma) -, que luta para “desobedecer à Europa da Austeridade”, que propugna uma “revolução fiscal”, que congemina a “conversão em propriedade estatal dos benefícios ou créditos fiscais contabilizáveis como fundos próprios dos bancos, num primeiro passo para a nacionalização dos mesmos” e que propõe o “rompimento com a União Monetária”.

Serei só eu a discernir evidentes semelhanças entre estes programas, estes posicionamentos e estas propostas, de uma banda, e as marcas identitárias das forças populistas, por outro lado, que, da extrema-esquerda à extrema-direita, fazem o seu caminho vilipendiando a Europa, as suas políticas e os seus políticos?

Serei só eu a divisar aqui, no nosso rectângulo, instalados bem no âmago do poder, os mesmos partidos e os mesmos actores que abominam (abominavam?) o poder em Itália?

Estarei sozinho na constatação de que também cá — onde somos parte da regra e nenhuma excepção — as forças que desprezam o jogo democrático fingem jogá-lo com fair play para cada vez mais se prevalecerem do sistema, procurando fragilizá-lo “por dentro”?

Lá, num país do G8, rico e sofisticado, Beppe Grillo deu lugar a di Maio, ao passo que por cá, no nosso cantinho modesto, Louçã cedeu o protagonismo a Catarina – mais urbana, polida, maviosa e sedutora.

Lá, há uma chuva de estrelas. Aqui há apenas um chuvisco. Mas estamos mesmo a pedi-las.