Não obstante a Rússia ser, cada vez mais e frequentemente, acusada de ataques informáticos contra os Estados Unidos, a NATO, a União Europeia, incluindo Portugal, as nossas autoridades parecem teimar em colaborar com Moscovo no combate à cibercriminalidade.

O Relatório Anual de Segurança Interna, divulgado há uma semana, constatou que, em 2020, a ciberespionagem aumentou em Portugal, referindo, mesmo, “ameaças persistentes, tecnologicamente avançadas, de origem estatal”.

Segundo revela o jornal Público, a China e a Rússia poderão estar por detrás de ataques informáticos em Portugal, estando alguns deles a ser investigados pela Polícia Judiciária.

A confirmar-se a notícia, e no que diz respeito concretamente à Rússia, ela não constitui grande surpresa se tivermos em conta que instituições governamentais de numerosos países aliados de Portugal na União Europeia e na Aliança Atlântica já foram alvos de numerosos ataques informáticos que partiram do território russo.

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Surpreendente, é, ainda mais, o facto de as nossas autoridades já terem assinado pelo menos dois “memorandos de entendimento” com a Rússia a fim de combater a cibercriminalidade.

No passado dia 26 de março de 2021, a Procuradoria-Geral da República de Portugal e a Procuradoria-Geral da Federação da Rússia assinaram “um memorando de entendimento na área da extradição e do auxílio judiciário em matéria penal”.

A acreditar no comunicado publicado na página do Facebook da Embaixada da Rússia em Portugal, as duas procuradorias concordaram em cooperar numa série de áreas. Igor Krasnov, procurador russo, afirmou que “a conclusão [do memorando] irá contribuir para o aumento da eficácia dos esforços conjuntos das procuradorias da Rússia e de Portugal na luta contra os desafios e ameaças mais perigosos à segurança social, nomeadamente o crime organizado, o terrorismo, o extremismo, a corrupção, o tráfico de drogas, de armas, os crimes económicos”.

Segundo a tradução para português do citado comunicado, “o Procurador-Geral russo ainda destacou que, no contexto da pandemia de coronavírus, o cibercrime e o uso ilícito de criptomoedas tornaram-se num verdadeiro desafio para todo o mundo”. A menção destes assuntos no Memorando, junto com a temática de recuperação de bens decorrentes da prática do crime, torna este documento muito relevante e coerente com as necessidades da atualidade”, frisou Igor Krasnov.

Surpreendido pelo conteúdo do memorando, pois é difícil imaginar como é que Portugal poderá cooperar com um país que tem um currículo extremamente duvidoso no que respeita à cibersegurança internacional, enviei um mail para a Procuradoria-Geral da República Portuguesa a pedir esclarecimentos e rapidamente recebi a seguinte resposta: “Em primeiro lugar, deve clarificar-se que o que é correto será dizer que se tratou da assinatura de um memorando de entendimento. Relativamente a essa matéria, encontra-se publicada uma nota informativa.

A surpresa que nos espera, é que na citada nota não se faz qualquer referência concreta ao “cibercrime”. Aliás, a nota portuguesa é incomparavelmente mais breve do que a russa.

Isto poderia parecer um facto pouco importante, secundário, se não fosse já a segunda vez em que o Kremlin fala de acordo de alto nível com Portugal sobre o combate à criminalidade informática.

Em Novembro de 2018, Serguei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, veio a Lisboa e encontrou-se com o seu homólogo português, Augusto Santos Silva, para consultas políticas. A imprensa russa controlada pelo Kremlin deu grande importância a esse encontro, durante o qual teria sido assinado um memorando de entendimento sobre o combate ao cibercrime.

O jornal electrónico de propaganda russa Sputnik, na sua versão em português, titulava: Rússia e Portugal fecham acordo sobre segurança cibernética, dando ênfase às palavras de Lavrov, que classificou o acordo com Portugal sobre consultas na área da segurança cibernética de “um modelo para países que estão se afastando de uma discussão profissional sobre o assunto”.

Além disso, o “Sputnik” citou palavras de Serguei Lavrov, que davam a entender que a iniciativa tinha partido dos Portugueses: “Nós acolhemos fortemente a abordagem de nossos amigos portugueses, pois, para compreender o que está acontecendo no ciberespaço, nós temos que manter contatos profissionais constantes”.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal tentou desanuviar a situação face a este tipo de cooperação com a Rússia com uma explicação pouco clara, mas o facto é que o problema volta a aparecer e a mostrar que no Governo português não existe uma concertação de posições entre os vários órgãos no campo da política internacional.

Para Moscovo, isto representa vitórias diplomáticas, pois ajudam a lançar confusão no interior da União Europeia e da Aliança Atlântica. Não é por acaso que a imprensa russa dá tanta importância à assinatura de memorandos de entendimento sobre o combate ao cibercrime com países como Portugal, num momento em que o Kremlin é acusado de ordenar e coordenar ataques informáticos contra países nossos aliados. Deste modo, tenta-se descredibilizar e ridicularizar as acusações.

Além disso, o nosso país deixa uma imagem de “elo fraco” numa área tão importante e vital como a cibersegurança. E, certamente, que os parceiros estratégicos de Portugal não irão olhar para o país como um parceiro de confiança.

P.S.: Alexei Navalny, dirigente da oposição russa, entrou em greve de fome a fim de exigir assistência médica adequada na prisão. Vamos ver como irá terminar o braço de ferro entre ele e Vladimir Putin. A propaganda oficial tenta incutir a ideia de que Navalny goza de excelentes condições na prisão, mas o seu estado de saúde não é o melhor.