Os centros comerciais têm ocupado o espaço mediático durante os últimos meses. À informação, tem vindo a juntar-se, lamentavelmente, uma boa dose de desinformação, que se revelou determinante para que o Parlamento aprovasse, no início do mês de Julho, no âmbito do Orçamento Suplementar, uma medida que suspende a componente fixa das rendas dos centros comerciais. Esta é uma lei ímpar na Europa. É cega, discriminatória, desproporcional e desnecessária. Coloca em causa toda a cadeia de valor desta indústria, poderá levar centros e seus lojistas à falência e terá um impacto muito significativo em toda a economia, pela mensagem de imprevisibilidade que passa aos investidores internacionais. É uma lei feita com base em pressupostos errados, que passo a explicar:

1 “Há uma guerra entre os centros comerciais e os seus lojistas porque não foram concedidos apoios.”
É um mito. Não existe um afastamento entre os centros comerciais e seus lojistas, e os primeiros vêm fazendo investimentos muito significativos para apoiar os segundos. Já em Junho, uma parte significativa dos lojistas dos centros associados da APCC (87%) tinha chegado a acordo para a concessão de apoios por parte dos proprietários no valor 305 milhões de euros só em 2020, entre descontos de rendas a fundo perdido e moratórias que adiam para 2021/2022 os prazos de pagamento. Assim, não só é falso que não tenha havido apoios, como, de resto, os centros comerciais foram o agente económico que mais apoios concedeu no contexto da pandemia em Portugal. Mais: estes apoios podem ser reavaliados, em função da evolução do contexto e das necessidades de cada centro e de cada lojista.

2 “Os centros comerciais são detidos por grandes fundos de investimento internacionais.”
Outro mito. Apenas 40% dos centros pertencem a fundos internacionais. Os centros comerciais eram considerados investimentos seguros até à aprovação pelo Parlamento desta proposta do PCP. Por isso, encontramos entre os seus investidores muitos fundos de pensões e de pequenos aforradores. Um dos maiores operadores em Portugal é a Square, que está a investir um fundo que é exclusivamente dinheiro de aforradores da Caixa Crédito Agrícola.

3 “Os Centros Comerciais são compostos por pequenos lojistas.”
Mais um mito. 77% dos lojistas são grandes cadeias. São estes que têm uma renda fixa mais alta, dado que ocupam uma área de loja superior, e uma renda variável mais baixa. A renda variável (que, em rigor, representa um “prémio sobre vendas”) dos grandes grupos é tipicamente entre 30 e 50% abaixo da dos restantes. Assim, as grandes cadeias, e não os pequenos lojistas, como se quis fazer crer, são os principais beneficiários desta medida.

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4 “Os Centros Comerciais querem explorar os seus lojistas.”
Quarto mito. O sucesso dos centros comerciais é o sucesso dos seus lojistas. Esta não é a primeira vez que o sector atravessa um momento de crise. Sabemos que é imprescindível encontrar soluções que garantam a sustentabilidade de todos os intervenientes. Na crise de 2009-2013, os descontos concedidos pelos centros comerciais aos lojistas foram até 90% em alguns casos, e, no total, os apoios concedidos durante esse período, determinantes para que muitas empresas conseguissem manter as suas lojas abertas, foram na ordem dos 400 milhões de euros, praticamente em linha com o esforço já alocado para responder ao contexto de pandemia em 2020.

5 “Os proprietários dos centros comerciais não foram afectados pela pandemia.”
Ainda outro mito. Assistimos a desvalorizações em bolsa de cerca de 70%, à destruição de emprego e mesmo a falências. A INTU, o maior operador de centros comerciais no Reino Unido, faliu; nos Estados Unidos, as estimativas apontam para que, nos próximos cinco anos, um em cada quatro centros comerciais encerrem. Em Portugal, o sector dos centros comerciais emprega mais de 100 mil pessoas de forma directa e 200 mil de forma indirecta.

Termino com uma nota, e um apelo.

A nota é sobre representatividade: a associação a que presido tem mais de três décadas de existência, conta com 93 conjuntos comerciais, representando 8600 lojas e mais de 90% da área bruta locável total existente em Portugal; a associação de marcas, recém-criada, que, alegando representar todos os lojistas, fez dos centros comerciais um alvo e desta lei bandeira, pejando o espaço público de inverdades sobre o sector, não representa mais de 10% do total de lojistas dos centros comerciais, 5% do espaço ocupado e 5% dos empregos criados. Há que separar o ruído ardiloso da substância da verdade.

O apelo é para que o Parlamento, o Governo e o Senhor Presidente da República optem por um caminho de soluções ponderadas e equilibradas. Em nome da sustentabilidade deste sector, mas também de toda a economia e do emprego.