Reza a História, que quando na Alemanha do Séc. XIX foi criado o primeiro sistema de segurança social, que permitia aos trabalhadores usufruírem de uma reforma paga, após cumprirem uma vida de trabalho, o Chanceler Bismarck, terá perguntado: Muito bem, mas onde é que temos dinheiro para tudo isto? Ao que lhe terão respondido, para não se preocupar, pois a grande maioria, morreria antes de ter adquirido esse direito. E de facto, assim era, mas deixou de ser. Com o avanço da ciência e da medicina, os sistemas de segurança social foram perdurando e a esperança de vida foi, felizmente, aumentando. Hoje, os sistemas de protecção social, vivem numa permanente aflição, que uma pandemia mundial, veio consideravelmente agravar.

Quando se começa a pensar em opções estratégicas, ou seja, como vamos encarar a nossa estrutura produtiva e os nossos sistemas de protecção social no futuro próximo, aí começam as habituais divergências. Haver divergências é normal numa sociedade livre e democrática. Haver divergências sobre medidas, que sempre que foram tomadas no passado em situações similares, resultaram em pesadelos, já começa a não ser divergência, mas um exercício de teimosia.

A escolha do Engº António Costa e Silva, para coordenar o Programa de Recuperação da economia, tem tudo para ser uma escolha acertada. Poucas pessoas estão tão habilitadas como ele para a missão. António Costa e Silva possui um pensamento global, estruturado e inovador. Mas contra ele, começa desde logo a ter a inveja (a única coisa em que somos ricos, segundo dizia o insuspeito António de Oliveira Salazar) e no fim do trabalho, terá os interesses instalados, a “tratar da saúde” ao seu trabalho. Mas vamos ao futuro, que ao presente já não escapamos.

Um cliché recorrente, é a necessidade de reindustrializar o país. Cumpre recordar que Portugal nunca foi um país de vocação industrial. Se excepcionarmos Alfredo da Silva e mais meia dúzia de industriais, apenas depois de 1955, com a adesão à EFTA, alguma baixa indústria se implantou no país, competitiva sobretudo à custa de baixos salários.

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Essencialmente, embora o turismo de massas seja em Portugal um fenómeno recente, a verdade é que a nossa economia, é desde há muitos anos, orientada para o sector dos serviços. Muita intermediação, muita representação, muita importação. Muitos componentes, escasso produto acabado. Muita emigração. Não nos faltam hotéis, restaurantes, campos de golfe, dúzias de autoestradas e uma companhia de aviação falida. Tudo feito à medida de clientes, que agora não existem e provavelmente não existirão tão depressa.

Uma das tentações recorrentes nestas emergências é usar o Estado, entenda-se empresas públicas, municipais, administração local e comissões de coordenação regional etc., como uma espécie de motor da recuperação. Nestas situações, como se costuma dizer, soma-se a fome com a vontade de comer. O Estado gosta de intervir e mandar. Os particulares, querem ajuda e dinheiro, vendendo a sua liberdade sem pestanejar. Mas de facto, o Estado não tem vocação, nem cultura produtiva. É um instrumento de regulação da economia. Não é um agente do crescimento económico. Todos os dados do passado, indicam que a uma maior intervenção do Estado na economia, não correspondeu um aumento do rendimento das famílias, salvo talvez, daquelas que conseguem os seus empregos nessas mesmas entidades, cronicamente deficitárias.

Sendo assim, resta acreditar na — também duvidosa — iniciativa dos particulares. Uma vantagem temos hoje em relação aos anos 60 do Séc. XX e não é pequena: a literacia dos nossos cidadãos é hoje incomparavelmente superior. Existe conhecimento na sociedade portuguesa, para lançar uma estrutura produtiva diferente da economia do bed and breakfest em que, estranhamente ou por facilitismo, temos vivido. Para contrariar isto e não repetir erros do passado, algumas perguntas têm de ser respondidas, a saber. O Estado vai apoiar projectos de investimento cuja competitividade – interna ou externa — assentar novamente em baixos salários? Vai apoiar as empresas novas ou restruturadas, com montantes a fundo perdido, ou com maturações a muito longo prazo, sem a condição de cumprirem os objectivos e de serem auditadas por entidade independente, escolhida e paga pelo financiador e nunca pelo beneficiário? Irão ser apoiados projectos ambientalmente insustentáveis? Vão ser de novo apoiados os habituais beneficiários dos negócios rentistas que Estado português suporta há anos à custa dos contribuintes? Finalmente, tal como os cidadãos com dividas à segurança social à data da pandemia não foram apoiados, poderá ser elegível para apoio quem esteja em incumprimento com o sistema bancário, seja este incumprimento directo ou indirecto?

Na verdade, onde iremos encontrar o dinheiro para tudo o que estamos a gastar? Só pode ser no futuro que criarmos hoje. Doutro modo, no próximo desastre, estamos de novo de mão estendida, o que já sendo um hábito secular do país, será sempre pouco recomendável.

Admitindo que tal Plano de Recuperação da economia verá a luz do dia, quando chegar às direcções partidárias e aos interessados do costume vai continuar a possuir alguma utilidade?

Ou afinal, razão tinha Paulo Portas, quando há alguns anos, publicou umas 30 páginas a corpo 14 e dois espaços, com um conjunto de generalidades sobre a reforma do Estado, sem qualquer ponta de inovação ou utilidade. De facto, se o destino — ele saberia melhor que ninguém — seria o fundo da gaveta, para quê mais preocupação?