Numa daquelas coincidências que não lembra ao diabo, o ex-presidente do BCE demitiu-se da liderança do governo italiano no mesmo dia em que o BCE subiu a taxa de juros. Numa outra, não tão extraordinária porque para diversas vezes alertados, a era dos juros negativos terminou no ano em que o PS conquistou a maioria absoluta, o que o remete para a responsabilidade absoluta.

Os socialistas continuam convencidos (ou aparentam-no muito bem) que a economia vai de vento em popa. Para tal, começam por pegar nos dados da actividade económica da última Primavera para os comparar com os dos anos de 2020 e 2021, quando estávamos confinados em casa. De seguida confrontam esses mesmos dados com os de países europeus próximos da Ucrânia e mais dependentes do que sucede a Leste. A memória é curta, mas nem só de memória se faz a vida; também há a realidade. E é quando negamos a realidade que chegamos à tragédia.

O crescimento que assistimos é uma reacção à paragem abrupta de dois anos num país relativamente distante da guerra na Ucrânia. Fora isso é bastante provável (todos os indicadores o parecem confirmar) que, depois de décadas de estagnação, tenhamos de lidar com a recessão económica. Um estado que consome recursos ao invés de servir a população; uma dívida pública elevadíssima que exige impostos altos e impede a acumulação de capital necessário para o investimento privado; uma população que foge do país à procura de melhores condições de vida no estrangeiro; um declínio demográfico que porá em causa as conquistas sociais das décadas passadas; uma inflação que é fruto da dívida, consequência do dinheiro mal gasto, resultado de uma política monetária facilitista, empolada por uma pandemia e avolumada com uma guerra na Europa. Parece consensual que os próximos anos não vão ser fáceis.

São às dezenas de milhares os portugueses que emigram todos os anos. Fazem-no porque nos países para onde vão recebem mais pelo mesmo que fazem cá. O resultado são empresas sem trabalhadores e com dificuldades na produção e venda de bens e na prestação dos seus serviços. O PS gaba-se da baixa taxa de desemprego e faz de conta que esta se deve ao dinamismo económico e não à fuga dos trabalhadores; que não resulta da emigração e do acréscimo de mais de 70 mil funcionários públicos nos últimos 6 anos. Na verdade, uma baixa taxa de desemprego num país com a população em fuga e em acentuado declínio demográfico não é um feito, mas um sinal. Um aviso.

Os socialistas não aproveitaram o período de taxas de juro baixas e extremamente favoráveis para um país endividado como Portugal. Se o tivessem feito hoje estaríamos numa situação mais confortável e o novo aeroporto até seria uma urgência possível. Assim, vamos rezar para que o BCE continue a comprar a dívida do estado português, que este consiga manter os serviços nos mínimos e que a nossa vida se mantenha sem grandes perspectivas mas, pelo menos, estável.

Além fronteiras ocorreram diversos golpes contra a ordem a que nos habituáramos: terrorismo, Brexit, Trump, refugiados, pandemia, os extremismos à esquerda e à direita, a guerra na Europa e a dependência energética da Alemanha face à Rússia. Se a tragédia portuguesa está na falta de brio, lá fora deparamos com uma certa dose de loucura. Mas uma vez por outra presenciamos algo que nos dá esperança: na Volta à França, em plena descida do Col des Spandelles, o camisola amarela Jonas Vingegaard reduziu a velocidade e esperou pelo seu adversário, Tadej Pogačar. Este sofrera uma queda numa curva apertada. Devidamente restabelecido, Pogačar, vencedor das duas últimas edições, um atleta fenomenal e um rapaz munido de um sorriso formidável, agradece ao seu adversário que retribui o gesto. Juntos continuam a prova até que a ferida na coxa quebra Pogačar e Vingegaard ganha a etapa garantindo a vitória no Tour. Apesar de tudo, o seu brio, a confiança nas suas qualidades deram-lhe uma vitória maior e os dois ciclistas mostraram-nos que perante uma tragédia iminente é possível desejar além dos ganhos imediatos.

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