As recentes manifestações pelo clima fizeram-me pôr tudo em causa. Ao ver os jovens trancados em escolas, colados a portas ou a atirar comida a quadros, enquanto gritam slogans sobre o fim dos tempos, tive uma epifania: eu sou igual a eles. Sim, eu, José Diogo Quintela, identifico-me com estes activistas pelo clima. Tal como eles, também sou um cobardolas.

Também eu, mesmo que achasse que a humanidade corria um perigo existencial caso não se parasse imediatamente com o uso de combustíveis fósseis, o máximo que conseguiria fazer era este género de birras inconsequentes. Sou como estes jovens, não tenho valentia para mais. Partilhamos a mesma miúfa.

Eu sei que a tese corrente, avançada em dezenas de artigos escritos por pessoas da minha geração, é que estes jovens estão a ser corajosos. Mas para se achar isso é preciso ter-se um entendimento muito estranho do que é a coragem. Vamos lá ver: se estão mesmo convencidos que, se não pararmos já! agora! imediatamente! de emitir CO2, morremos todos nos próximos meses, o máximo que se dispõem a fazer é atirar sopa a pinturas? Isso não é coragem, é irrelevante. É o mesmo que fazer jejum intermitente em protesto contra a fome no mundo. Coragem implica um sacrifício proporcional à causa. Ora, se a causa é o salvamento de 8 mil milhões de seres humanos, o máximo a que estes paladinos estão dispostos a renunciar é a 3 horas de liberdade, passadas numa confortável esquadra ocidental?

Estas manifestações são uma espécie de “agarrem-me, senão vou-me a eles!” Como ninguém os agarra, agarram-se eles próprios, colando-se a coisas. O que até poderia ser uma atitude corajosa, se usassem cola a sério, em vez de mistelas aguadas que as crianças utilizam em trabalhos manuais. Querem ter impacto à séria? Fixem-se às entradas de prédios com cimento. Ou então, melhor ainda, barrem-se com alcatrão, acendam um fósforo e deixem-se ficar sossegados a arder no mesmo sítio. A gordura derretida deixa uma pasta viscosa grudada no chão, impossível de raspar mesmo com uma espátula gigante. Isso, sim, é um tipo de colagem que exige bravura. Senão, é só traquinice juvenil com material de bricolage.

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Segundo João Camargo, um dos adultos que inspira este movimento em Portugal, “a sucessão e velocidade de fenómenos de escala histórica a que estamos a assistir não tem paralelo: é como se o degelo final do Lago Agassiz, na América do Norte, a Peste Negra, a Primeira Guerra Mundial e a ascensão o nazismo na Itália e na Alemanha estivessem a acontecer todas na mesma década”.

Escreveu-o no Expresso e já o tenho visto repetido por jovens em manifestações. Bom, se é isso que julgam que se está a passar, que em apenas dez anos acontecerá o equivalente a: i) o degelo de um lago do tamanho do Mar Negro, que aumentou o nível das águas vários metros e alterou o clima, espoletando o período frio Dryas recente; ii) a maior pandemia alguma vez registada, que matou quase metade da população da Europa e do Norte de África; iii) uma guerra que matou 22 milhões de pessoas e estropiou outras tantas; iv) a chegada ao poder de ideologias que mataram, entre perseguições e guerras, 80 milhões de pessoas – Camargo aqui não fala do comunismo, deve ser para não estragar o jantar de Natal da família Louçã; então, nesse caso, os activistas têm mesmo de atinar e começar a agir como se quisessem evitar esta catástrofe. Não chega faltar às aulas.

Então o armagedão chega na 5ª feira e a garotada ocupa uma escola? Estão a brincar às extinções, ou quê? Afinal é urgente, ou não é? Trata-se do apocalipse, mas mais parece o apoqueselixe.

Apesar disso, é inegável que se trata de gente com grandes preocupações ecológicas, como se vê por reciclarem todas as profecias do fim do mundo jamais feitas, desde os Maias ao Malthus. Só não anunciam a segunda vinda de Cristo porque estão tão angustiados com o excesso de população que se recusam a admitir a chegada de mais uma pessoa que seja. Com tanta conversa sobre o fim da humanidade, o mínimo que se espera é que comecem a matar pessoas para chamar a atenção. Saiam à rua com uma caçadeira e comecem a disparar. Arranjem um carro eléctrico e passem meia dúzia de peões a ferro. Afinal, o que são algumas vidas em troca de 5 ou 6 mil milhões de almas que deixam de morrer neste evento cataclísmico para o qual não há qualquer evidência na literatura científica publicada pelo IPCC, mas imensa na cabeça de Camargo e seus acólitos? Homicídio é o mínimo, pá. Menos que isso é ser caguincha. Há bombistas suicidas palestinianos dispostos a morrer e a matar por um nico de terra do tamanho do Minho, com 5 milhões de habitantes, e estes medricas, por um planeta com 510 mil milhões de km 2 e 8 mil milhões de pessoas, não se dispõem a fazer mais que atirar puré em museus.

Se, como Camargo afirma, é evitável a inundação colossal + a pandemia que dizima metade da humanidade + as duas guerras que arrasam o resto, vale a pena fazer o que for preciso. (Eu ainda não descobri como anular um programa de lavagem na máquina da roupa, tenho de o deixar correr até ao fim, estou particularmente curioso para ver como é que se pára uma gigantesca cheia do pé para a mão).

Parece-me óbvio que o problema desta geração é não conhecer a filmografia de Bruce Willis. Tivessem visto os Die Hard ou o Armageddon e sabiam que as suas pífias atitudes de protesto não são compatíveis com corajosos salvamentos em situação limite. Quando faltam 17 segundos para uma bomba rebentar, John McClane ocupa cobardemente uma escola? Não, corta o fio vermelho e evita a explosão. E, quando o avião da sua mulher Holly está sem combustível, mas a pista de aterragem não tem luz, McClane cola-se medrosamente à entrada do aeroporto? Não, incendeia o avião dos maus para que as labaredas dos destroços guiem o piloto no escuro. Yippee-Ki-Yay, motherfucker! Mais: quando o asteróide se vai espatifar contra a Terra, Harry Stamper quer reunir-se com o Ministro da Economia como um poltrão? Claro que não! Deixa-se ficar para trás e detona manualmente a bomba nuclear, sacrificando a sua vida para salvar a humanidade. Ponham os olhos nisto, jovens. Se vivemos mesmo em estado de emergência, então, biológicos ou não, exigem-se tomates.