Escrevo este artigo, para partilhar a minha posição nesta guerra que travamos. Não vou debruçar-me em números, porque penso já existirem números suficientes. Venho antes, concentrar as minhas atenções na conclusão desses números e na minha perspetiva do que podem e devem ser os próximos passos neste combate.

Ora, começo pelo início de Março, altura em que a DGS e o Governo estiveram altamente reticentes em admitir que este era um vírus com uma capacidade contagiosa e infeciosa muito forte e apenas, quando o nosso Presidente da República declarou o Estado de Emergência, se resignaram a tomar medidas mais sérias e combativas. É preciso ver que, embora os alemães elogiem a resposta rápida em relação a Espanha, a 18 de Março declaramos o Estado de Emergência quando Espanha já registava 633 mortes e 2943 novos casos apenas num só dia, não sei senão poderíamos ter tomado certas medidas de restrições fronteiriças, pelo menos, mais cedo. Estas medidas, juntamente com um cumprimento fantástico da quarentena, pelo povo português, ao qual devemos todos agradecer, começaram agora a demonstrar os seus resultados, ainda tímidos, mas já dão para ver tendências, comparar com outros países e mostrar-nos minimamente otimistas. Uma vez que o nosso governo investiu muito, quer em recursos humanos (médicos, enfermeiros, auxiliares) quer em materiais essenciais a esta luta, o nosso SNS sairá reforçado desta situação. Temos uma taxa de mortalidade que até tem sido notícia lá fora, os 300 internados nos cuidados intensivos já desceu para praticamente 200, sendo ainda um peso enorme para a capacidade dos hospitais/do SNS. Portanto este número, ainda que em melhoria, não deixa de ser preocupante e não augura bons resultados, contudo parece estar a estabilizar e podemos ainda criar mais camas para este combate, caso seja necessário. Este é o panorama atual. Está tudo em casa e os números começaram, finalmente, a estabilizar.

Olhando para os melhores exemplos lá fora, temos uma Coreia do Sul, que se puderem ver, tem tido resultados muito bons, mas que mesmo assim mostra que até no melhor dos casos não é possível erradicar este vírus, muito menos num mundo globalizado. Não vamos conseguir dar uma verdadeira resposta até termos uma vacina, o problema é que não sabemos quando essa vacina pode chegar e se o presente já não é bom, o futuro, se tudo se mantiver fechado, não augura nada de melhor. É que, enquanto esta pandemia se mantiver, vamos ter um Estado que gasta em processos de layoffs, em subsídios de desemprego que virão em crescendo, tal como as despesas em saúde e com uma economia a encolher. É que caso não se lembrem, os impostos indiretos são sobre o consumo que caiu a pique e os diretos, são sobre os rendimentos que também estão a cair. Na verdade o maior dependente da economia que temos é o próprio Estado para fazer face às suas contas, agora mais exorbitantes que nunca, por isso é que têm vindo a aumentar sucessivamente os impostos nos últimos anos. A situação presente, infelizmente não é sustentável de forma alguma, o que nos obriga a pensar mais além.

Portanto a guerra contra o vírus vai ser constante nos próximos tempos, até mesmo depois da vacina chegar. A questão que se coloca é se estaremos preparados para manter a luta. E não é uma questão de vida vs economia, é uma questão de vida vs vida. É que se a situação de quarentena se mantiver, é à custa das famílias, que estão a esgotar os seus recursos, que cada vez serão mais escassos para se manterem à tona da linha da pobreza. Este tem sido o grande esforço heroico desta quarentena. E esta pobreza, não só não vai evitar o contágio, como vai trazer fome e outros problemas graves correlacionados. A mantermos esta situação insustentável, o caos social vai chegar progressivamente. Por isso, temos que pensar como sair desta situação, protegendo os mais fracos, quer do vírus, quer da pobreza. Não houve guerra nenhuma na história da humanidade, que não deixasse marcas e este vírus não será exceção. Portanto a abrir, vamos ter que estudar exatamente em que moldes o vamos fazer. Temos que abrir, mas não a qualquer custo. E não é pelo Estado dizer que “vai ficar tudo bem”, que toda a gente vai regressar à normalidade. Para a grande maioria (ou” para a maior parte de nós”), este vai ser o maior evento das nossas vidas.

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Como disse, a prioridade é proteger os mais fracos e, como em qualquer guerra, os mais fortes têm de dar um passo em frente. Nós, mais saudáveis e fortes, vamos ter de ter ao mesmo tempo a coragem de sair e voltar, dentro de certos parâmetros de saúde pública, à normalidade e ao mesmo tempo proteger de nós próprios aqueles que fazem parte dos grupos de risco. O nosso governo tem de planear como vai fasear esta abertura, mas, sinceramente, acredito que é algo inevitável a bem de todos. A bem da sustentabilidade. Infelizmente esta abertura vai trazer novas vitimas mortais, mas a fome também o fará com o tempo, ou o próprio vírus que mesmo disseminando-se de forma mais lenta, acabará por chegar a mais grupos de risco. Enquanto esperamos pela vacina podemos atuar de forma prudente, mas podemos atuar. O Governo deve criar, em parceria com o privado liderando a iniciativa (ao contrário daquilo que se tem passado com as iniciativas a virem das empresas) linhas de produção de bens essenciais ao combate que enfrentamos. Podemos decretar que não se anda em transportes públicos sem máscaras ou luvas. Podemos obrigar empresas a terem desinfetantes espalhados pelos seus imóveis ou Autarquias a terem também os desinfetantes em espaços públicos, tal e qual como se de hospitais se tratassem. Se calhar, abrir as escolas para além dos 11º e 12º anos, para que mais pais possam ir trabalhar sem preocupações, ou mais grave deixarem os filhos com os respetivos avós que fazem parte do grupo de risco. Se calhar, estas aberturas podem ser graduais e começar para os filhos de profissionais de saúde, educação e outros setores em funcionamento, faseando para os restantes, à medida dos resultados. O nosso governo não pode mostrar a resiliência que teve para fechar, para, agora, abrir. Temos de estar mais bem preparados e com os processos bem estudados, porque a sorte não aparecerá sempre aos mesmos. E mesmo nas melhores condições, estas aberturas faseadas vão ter custos e constrangimentos nas famílias mais desprotegidas.

Estou preocupado, é ótimo estar a ter tão bons resultados com o isolamento, foi sem dúvida a melhor opção, mas em breve virá a 2ª fase. E não sabemos, se calhar ter mais gente infetada nesta 1ª fase e que fique imune pode salvar vidas no futuro próximo. Agora, mais do que nunca precisamos de líderes capazes de tomarem medidas exigentes e difíceis, que consigam proteger o futuro de todos, expondo ao mínimo os grupos de risco. Se é verdade que a economia mais tarde ou mais cedo recupera, as vidas perdidas já não. Mas eu acredito que há um caminho no meio de tudo isto. Que no meio desta confusão pode ser mais difícil de ver, mas que é preciso arranjar gente competente, consultar os nossos melhores pensadores nas várias áreas e olhar para fora, para os vários exemplos de abertura que se têm registado noutros países, como Áustria, Coreia, China, Alemanha, até a Espanha, que supostamente está mais caótica. Recuso-me a ficar de braços cruzados em casa a ver a orquestra tocar enquanto o barco se afunda. Estamos em guerra, chega de reagir, temos de atuar estrategicamente. Muitos de nós podem-se juntar aos combatentes de trincheira (profissionais de saúde) retomando as nossas vidas com todos os cuidados que temos hoje. Cientes de que qualquer descuido pode ser fatal para o nosso próximo e que depende da forma responsável com que encararmos esta reabertura, o sucesso da mesma.

Escrevo este texto para trazer uma luz ao fundo do túnel neste problema grave que nos afeta a todos. Para que quem leia, possa pensar no que escrevo e ver este problema de forma diferente. Não estou à espera que todos concordem, mas acredito que esta é uma reflexão que deva começar a atravessar a nossa sociedade e principalmente a cabeça dos nossos políticos que são quem nos lidera. Fora de partidarismos, até agora as medidas têm tido efeitos positivos e aparentemente estamos no planalto, o que significa que passámos, porventura, o pior. Não podemos relaxar, a guerra não acabou, simplesmente estamos a vencer, com muitas vítimas, este primeiro assalto. Mas agora que este assalto parece estar a chegar a uma situação estável, não queremos uma reação aos eventos, queremos uma estratégia pensada, organizada e liderada pelo nosso governo. É isso que nós devemos exigir ao governo e é também por isto que deixo aqui a minha reflexão. Esta guerra vai deixar marcas, mas, pelo menos, vamos tentar sair mais fortes, com mascara mas de cabeça erguida.