Pertenço ao grupo dos que, há perto de década e meia atrás, se bateram pela criminalização do enriquecimento ilícito. Cedo, porém, dei conta de que seria muito difícil construir uma lei que fosse congruente com as regras constitucionais, mormente com a da presunção de inocência, e não caísse na armadilha de obrigar o Ministério Público à prova diabólica de factos negativos. Perante o desconchavo dos projectos de lei então apresentados, fui até, no princípio da década passada, relator do parecer do Conselho Superior do Ministério Público que aconselhava, cautelarmente, a fiscalização preventiva da constitucionalidade do que viesse a ser aprovado.

Já considerava, então, que deveríamos começar a olhar para além do Direito Penal se queríamos ter realmente ao nosso dispor um instrumento ágil de dissuasão de práticas corruptivas. Porque, mesmo que um esmerado jurista lograsse construir um tipo de crime escorreito, pouco efeito dissuasório se alcançaria: a sanção, obtida depois da via sacra do processo penal, com todas as suas contingências, proibições e nulidades, seria quase irrisória, simbólica, pois é consabido que penas de prisão até cinco anos para gente de colarinho branco são, em regra, suspensas na sua execução. Propunha, concretamente, a adopção de uma “lei de extinção de domínio”, na esteira da “actio in rem”do sistema americano, para que, através de acção de natureza cível, se pudesse colocar o ónus da prova da licitude da origem dos bens sobre o seu detentor e viabilizar, assim, o resultado que mais o pode afectar – a sua perda.

Não obstante, penso que a proposta formulada pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses, que apenas conheço dos traços genéricos que a imprensa tem fornecido, é pragmática e oportuna. Uma espécie de ovo de Colombo. O que não compreendo é o tumulto, o frenesim que grassa nos meios políticos em relação à adopção dessa medida que, como valor acrescentado à já vasta panóplia de instrumentos de que dispomos, não será, porém, a pedra filosofal para a contenção do fenómeno da corrupção, se é que alguma vez a acharemos. E não compreendo porque, se bem interpreto, se limitará a reproduzir o que já foi legislado em 2019 acerca do regime de exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos. Leia-se, que está lá tudo. E se não for já tudo, com pequenos acrescentos se completará a obra. O problema está em que, como é muito nosso, a lei praticamente não sai das páginas do Diário da República, por falta de vontade, por falta de dinheiro ou de ambas as coisas, para instalar e pôr em pleno funcionamento a entidade que lhe há-de dar execução. Ora, isso é outra coisa. Não nos confundam.

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