Este mundo em que vivemos está cada vez mais fake. As notícias são fake news, mais representações da psicopatologia de quem as relata & escreve do que descrições do que realmente aconteceu. As políticas sociais são fake policies, legisladas mais para fazer ondas & dar nas vistas do que para aliviar pobreza e sofrimento. As políticas económicas são cada vez mais fake economics, incluindo as bazucas & tudo o resto que para aí vem, implementadas mais para enriquecer amigalhaços & pagar favores do que promover o bem-estar coletivo. Também os relacionamentos estão a ficar cada vez mais fake relationships, em que os pais estão a ser cada vez menos pais, os esposos, menos esposos, e os amigos, menos amigos.

A proliferação do fake é produto da crise epistemológica que afeta o mundo ocidental: não aceitar que a Verdade exista, nem que ela existe para ser descoberta pelo Homem1. Nem acreditar que a Verdade seja algo de objetivo e verificável empírica e racionalmente. O fake torna-se possível, quando a realidade bruta e crua deixa de ser aceite como padrão da bondade de uma afirmação. E repare-se que não estamos a falar da expressão de gostos pessoais, mas da descrição de factos e teorias sobre o mundo físico e social.

O fake é legitimado pela atitude cada vez mais prevalente que aceita ser possível eu ter a ‘minha verdade’ e tu a ‘tua verdade’. Em que a Verdade é substituída por ‘narrativas’. E também se alicerça na crença cega no que se diz ser ‘ciência’, crença que está associada ao desconhecimento do que é o método científico e qual o seu fim. É fruto da postura: “se achas que o aborto é homicídio não abortes, mas não o impeças aos outros” ou “se achas que o Holocausto foi um crime, essa pode ser a tua narrativa, mas não me obrigues a aceitar”.

Este tipo de argumentos seria considerado, há não muitas gerações, ou como infantilidade a ser corrigida pelos pais ou, se pronunciados por adultos, como sinal óbvio de fraqueza cerebral a requerer acompanhamento especializado. Isto não quer dizer que os antigos nunca se deixassem enganar. Mas provavelmente seriam, de um modo geral, mais atentos à realidade das coisas, quer as naturais, quer as sociais, e, por consequência, mais imunes ao fake. E quando o fake lhes aparecia à frente sabiam tratá-lo como merece, tal com é relatado na seguinte, e mui antiga, história popular japonesa:

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Há muito, muito tempo, viviam dois velhinhos num local remoto de Ōshū. A avozinha ainda via bem, mas o marido tinha o olho esquerdo vazado, fruto de uma briga juvenil. Certa noite o avozinho regressou dos bosques mais tarde que o habitual.

“‘Avozinha, avozinha, tadaima—acabo de voltar!’ bradou ele ao entrar.

“‘Okaerinasai—que sejais bem-vindo de volta!’ respondeu a mulher indo-lhe ao encontro e fazendo uma profunda vénia. Enquanto se dobrava, de raspão, reparou com surpresa na cara do marido: em vez de zarolho do lado esquerdo, estava zarolho do direito.

“‘Ahhh! Isto é raposa2!’ pensou para consigo. ‘É sem dúvida raposa sob aparência de avozinho…’ Ainda dobrada, acrescentou em voz alta:

“‘Avozinho, vens alegre e cheio de sake, não é verdade? Em que taberna estiveste? Quando vens neste estado queres sempre pôr-te dentro de uma tawara3 de palha, não é verdade?’

“‘O que me dizes tu?’ perguntou a raposa enquanto se enfiava sozinha numa das tawara que estavam ao pé da porta.

“Continuou a avozinha: ‘Uma vez dentro da tawara queres sempre que a ate bem atada, não é verdade?’

“‘O que dizes?’ murmurou a raposa enquanto deixava a avozinha atá-la bem atada dentro da tawara.

“‘E uma vez que a corda esteja bem apertada pedes sempre para te pendurar sobre a fogueira para te fumar, não é verdade?’ continuou a mulher. E, levantando sobre a fogueira a tawara com a raposa bem presa e amarrada, pendurou-a com a corrente de ferro que descia do teto. Depois avivou o fogo, grelhou um sakana4, e começou a cear sozinha deliciada com o sabor do seu repasto. Estava a terminar quando chegou o verdadeiro avozinho, zarolho do olho esquerdo.

“E a raposa que, sob a aparência de avozinho tinha vindo enganar a avozinha, acabou fumada e foi feita em sopa de raposa. Medetashi, medetashi.”

Sopa de raposa

É especulador imobiliário e diz-se socialista? Provavelmente é fake. Tem pilinha e acha-se menina? Idem.5 Conduz um bruta Mercedes e quer receber o rendimento social de inserção? Idem. Na dúvida,… chame a avozinha.

U avtor não segve a graphya du nouo AcoRdo Ørtvgráphyco. Nein a do antygo. Escreue coumu qver & lhe apetece. #EncuantoNusDeixam

[1] Homem: animal que se ocupa e preocupa mais com aquilo que quer ter e quer parecer do que com aquilo que deve ser; uma das duas configurações com que que os Homens vêm a este mundo, nus para evitar confusão na classificação, verificável nos órgãos reprodutores e determinada pelo DNA; uma teoria filosófica sebosa e cerebrosa recente nega que esta divisão se fundamente corporeamente no baixo abdómen mas que se encontra realmente no córtex pré-frontal em dois neurónios de tipo x e y que determinam o sexo; pessoa com características estruturais, funcionais e comportamentais inferiores à média; no hétero-patriarcado branco, aquele que serve de sustentador e provedor, sendo classificado como ‘bom’ ou ‘mau’ com base na capacidade da mulher vestir Chanel ou outro trapo de marca; membro da espécie animal Homo Sapiens, espécie que, nos intervalos em que trabalha pela extinção dos seus semelhantes, se ocupa da preservação das outras, como sapos, cobras e lagartos; apesar de todos os esforços para se autoextinguir, a espécie prospera com tanto vigor que já infeta toda a terra habitável e a Espanha, pondo em causa a sustentabilidade ecológica da mãe terra; na frase que remete para esta nota, ‘homens’ designa ‘Humanidade’, isto é, homens e mulheres, já que este texto foi escrito para Cristãos; se tivesse sido escrito para Budistas, então ‘homens’ significaria somente homens, com exclusão de mulheres, pois só aqueles podem entrar no Jōdo 浄土, o Paraíso da Terra Pura, sendo que as mulheres têm que reencarnar antes como homens neste mundo para depois lá poderem serem admitidos. Como será operada a reencarnação da última mulher como homem, para poder ter acesso ao paraíso de Amida, é uma questão que ultrapassa a competência e não cabe no estreito vaso do engenho deste lexicógrafo.

[2] Raposa: pessoa manhosa e enganadora; político espertalhão e falso, como Herodes (cf. Lc 13:31-32); mamífero carnívoro que, à imagem de políticos espertalhões e falsos, mata e consome animais vegan, como por exemplo, coelhos e outros patinhos; distinção académica conferida a alunos que se sobressaem em fake, demonstrando assim especial aptidão para uma carreira política; divindade japonesa que sob a denominação de Ō-Inari-sama 御稲荷様 é associada à prosperidade e ao sucesso mundano.

Templo budista (não confundir com Santuário Xintoísta) dedicado a Ō-Inari-sama

[3] Tawara: : saco, geralmente de grande porte, tecido com palha de arroz ou de outro cereal.

Tawara

[4] Sakana : (jap.) peixe; quem age com esperteza ou malandrice; político, especialmente da espécie que tem por habitat natural as regiões ocidentais da Península Ibérica (sakana lusitanae) e que recentemente substituiu o piolho (pediculus capitis) na estima das populações

[5] Já um verdadeiro operário da pena, um warxista-reninista dos antigos, daqueles que ainda tinha um dos pés no chão enquanto tentava firmar o outro num degrau imaginário de acesso ao socialismo surreal, José Gomes Ferreira (1899—1985), notava que “[…] só as aparências são susceptíveis de mudança e nunca o que existe de mais profundo nos seres. O sexo, por exemplo. Por mais que isso te espante, ser-me-ia fácil transformar-te em rato, mas nunca em rata.” E, profeticamente (salvo seja: pela aplicação das leis do materialismo dialético, que nos permite conhecer com certeza a evolução social futura até à consecução do comunismo), acrescentou umas páginas mais à frente: “Os governantes, os professores e o escol intelectual, cuidadosamente escolhidos entre as pessoas mais insignificantes da Cidade, pugnavam com denodo pela mumificação do Disparate de pernas para o ar. E ai daquele que não pronunciasse pelo menos dez asneiras por minuto. Ou que não sujasse as grandes descobertas e empresas humanas (como a energia atómica ou os satélites, por exemplo) com teorias imbecis de amesquinhamento reles. Considerados moralmente mortos, os colegas tratavam logo de excluí-los, sem relutância nem remorsos, das respectivas Academias e Universidades.” (Aventuras de João Sem Medo, 1963)