Há por trás duma mulher grávida, qualquer coisa de mágico. E, seguramente, de divino. E, por isso mesmo, de omnipotente. É “um estado de graça”. Uma experiência tão, inacreditavelmente, transcendente que custa imaginar que qualquer “tremor de terra” a possa comprometer. Ou, mesmo, interromper.
E, no entanto, há um momento — regra geral, numa ecografia — em que a rotina da avaliação de um bebé sofre um sobressalto. E, depois de um silêncio, tenso e prolongado, um obstetra muda a expressão do seu olhar, e passa e repassa a sonda na barriga e, depois de algum tempo de hesitação, nos diz que o foco da ecografia “negativou”. Que é uma forma de nos justificar, com vergonha e impotência, que não apanha o “ruído cardíaco” do bebé. O que, por outras palavras, quer dizer que ele… morreu. Dentro de alguém que, até entrar naquela consulta, tinha, de certo modo, “o rei na barriga”.
A seguir, uma pessoa veste-se, em choque. Onde se sentia iluminada sente, agora, um furor de imagens e de ideias que lhe vêm à cabeça e que concorrem umas com as outras, em cascata. Sai. Entra no consultório. Onde, antes, se preenchia mais uma página do boletim do bebé surge, agora, na melhor das hipóteses, a prescrição de comprimidos para o “expulsar”. A seguir, uma pessoa tenta não se sentir despedaçada ou, mesmo, envergonhada. Sai. Pára no secretariado. Como de costume, alguém lhe pergunta se está “tudo bem. Não contém as lágrimas. Arrasta-se para o carro. Chora, finalmente. Grita. Geme. Não acredita que nada daquilo esteja a acontecer. E confronta-se com o absurdo de ter um útero a servir de urna quando, antes, ele era só o céu.
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