Foi publicado recentemente na revista Lancet um artigo que avaliou a importância dos fatores potencialmente modificáveis no desenvolvimento de diferentes tipos de cancros. Os resultados são impressionantes: estima-se que 44,5% de todas as neoplasias a nível mundial estejam associadas a fatores de risco potencialmente modificáveis, correspondendo a um total de 4,45 milhões de mortes por ano e a uma perda de 105 milhões de “DALYs”, os anos de vida ajustados por incapacidade.

Os principais fatores de risco a nível global foram, como seria de esperar, o consumo de tabaco e álcool, seguidos da obesidade, que foi o motivo que mais aumentou na última década. Os cancros digestivos, em especial os chamados “big five” – cancro do esófago, estômago, fígado, pâncreas e cólon –, matam mais de 10.000 portugueses por ano.

Também para estes tumores estão identificadas causas potencialmente preveníveis que contribuem de forma muito importante para uma grande percentagem dos casos diagnosticados.

Assim, são atribuíveis a agentes potencialmente modificáveis 68% dos cancros do esófago, existindo dois tipos de tumores distintos: o carcinoma pavimentocelular é, geralmente, associado ao consumo de tabaco e de álcool, enquanto o adenocarcinoma é causado pela inflamação do esófago provocada pelo refluxo gastroesofágico, pelo que os factores de risco são as condições que agravam o refluxo, como é o caso do consumo de álcool e a obesidade.

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Também 32% dos cancros do pâncreas têm causas que podem ser evitadas, com particular destaque para o consumo de tabaco, para a glicémia elevada e a obesidade. O mesmo se pode dizer de 58% dos cancros do cólon, destacando-se como factores de risco a obesidade, a diabetes, o consumo de carnes vermelhas ou processadas e o tabaco. Igualmente para 52% dos cancros do fígado, com especial relevância para o consumo de álcool e a obesidade, aos quais se juntam as infecções virais, nomeadamente a hepatite B, para a qual existe uma vacina muito eficaz e a hepatite C, para a qual existem atualmente excelentes opções terapêuticas.

Finalmente, devemos referir 24% dos cancros do estômago, onde se destaca o consumo de carnes salgadas e fumadas.

O que podemos fazer para prevenir o cancro digestivo? Sabemos que nem todos os cancros podem ser evitáveis. Contudo, o conhecimento destes dados epidemiológicos é fundamental para que as instituições invistam nas ações adequadas de promoção da saúde. A prevenção primária passa sempre por uma combinação entre as estratégias, o custo e a eficácia.

A nível pessoal, também há muito a fazer, começando por manter um estilo de vida saudável, com uma alimentação equilibrada e atividade física regular, evitando o excesso de peso.

 O tabaco e o consumo excessivo de bebidas alcoólicas devem ser evitados.  Em relação ao consumo de álcool, a organização mundial de saúde define como dose padrão 10g de etanol puro (o equivalente a um copo de vinho), recomendando que homens e mulheres não excedam duas doses por dia e se abstenham de beber pelo menos dois dias por semana.

É fundamental também a promoção de hábitos saudáveis no nosso agregado familiar, junto dos mais novos. A epidemia de sedentarismo e obesidade veio para ficar.

Para além disso, devemos participar em programas de vigilância adequados. De salientar que o único programa de rastreio digestivo com eficácia claramente demonstrada para a população em geral é o rastreio do cancro do cólon, que deve ser oferecido a todas as pessoas assintomáticas com mais de 50 anos, verificando-se a existência de recomendações de várias sociedades americanas que propõem que o rastreio se inicie aos 45 anos.

Por fim, ainda não podemos obviamente alterar o nosso território genético, mas dependendo da nossa história pessoal ou familiar, que pode ser discutida numa Consulta de Risco Familiar Oncológico, poderá também existir a indicação para uma vigilância diferente daquela que é preconizada para a população em geral.

Lutemos por um mundo com menos cancro digestivo.