1 Comparar a segunda volta das diretas do PSD com a segunda volta das eleições presidenciais de 1986, como os apoiantes de Luís Montenegro começaram a fazer logo na noite de sábado, é claramente excessivo e infundado. Compreende-se a intenção: levantar o moral das tropas e percecionar uma missão quase impossível como algo que pode ter um final feliz. Infelizmente, a realidade é mais forte do que os wishful thinkings dos montenegristas.

Primeiro problema: Luís Montenegro não é, de todo em todo, um animal político como Soares. Não é só a questão histórica de ter faltado um episódio ‘à Marinha Grande’ (sem violência, de preferência) para que Montenegro ganhasse gás para o resto da campanha. É mesmo uma questão de carisma político que o ex-líder parlamentar do PSD ainda não conseguiu demonstrar nesta campanha.

É verdade que os votos somados de Montenegro com os de Miguel Pinto Luz dão uma ligeira vantagem de algumas centenas de votos sobre Rui Rio mas há variáveis que condicionam esse 1+1=2:

  • Seria natural que Miguel Pinto Luz apoiasse Luís Montenegro — as suas ideias têm muitos pontos de contacto. Mas o autarca de Cascais está ‘preso’ à sua promessa de não apoiar ninguém na segunda volta por “não ser dono do voto dos militantes”.
  • Mas mesmo que Pinto Luz apoie Montenegro, isso não faz com que o vice-presidente da Câmara de Cascais tenha o mesmo peso que Álvaro Cunhal teve em 1986 quando apoiou Mário Soares com olhos fechados. O peso do PCP foi decisivo para Soares ganhar com mais de 138 mil votos de vantagem, enquanto que Pinto Luz ‘oferece’ uma ligeira vantagem de cerca de 400 votos.
  • Acresce que Rui Rio teve bons resultados nas distritais mais fortes de Pinto Luz: Área Metropolitana de Lisboa e Setúbal. Logo, pode ter alguma margem de crescimento aí.
  • A capacidade de crescimento de Montenegro nas concelhias do norte do país por via do apoio de Pinto de Luz, é muito reduzida. Os resultados do autarca de Cascais no norte foram muito dececionantes.

Por tudo isto, a vitória de Rui Rio no próximo sábado não é uma certeza absoluta mas é provável. Para Montenegro dar a volta à situação terá de ser fazer muito mais do que fez até hoje.

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2 A analogia desta corrida eleitoral interna com as presidenciais de 86 diz bem, contudo, da luta fratricida que está a decorrer no maior partido do centro-direita. O que está em causa nesta segunda volta são duas linhas estratégicas opostas: Rio quer centrar o PSD e partir do centro-esquerda para o centro-direita, admitindo pelo caminho acordos com o Governo, enquanto que Montenegro recusa qualquer aproximação ao PS e quer liderar o espaço do centro-direita a alternativa política.

O que nos leva a uma análise evidente: se Rui Rio ganhar as diretas, como parece muito provável, o maior beneficiado não será António Costa mas sim André Ventura e o partido Chega. Porquê?

  • Rio tem uma estratégia errada que implica uma colagem ao PS de António Costa em nome da tão falada oposição construtiva e responsável, impedindo assim a construção de alternativa saudável. Mais: refuta qualquer voto conservador e liberal que historicamente sempre votou PSD;
  • Rio deixa assim o campo aberto para que os novos partidos como o Chega e a Iniciativa Liberal tentem ganhar esses votos. E aqui é indiscutível que André Ventura, como líder do Chega, tem ganho uma notoriedade avassaladora por algum mérito próprio mas muito por demérito da extrema-esquerda e esquerda parlamentar. As sondagens provam isso mesmo ao darem uma subida exponencial ao Chega, que já ultrapassou o CDS e multiplicou por cinco o resultado das legislativas de 2019.

Acresce que o CDS também está numa disputa eleitoral mas as perspetivas ainda conseguem ser piores do que as do PSD. Entre João Almeida que quer continuar a linha de atuação de Assunção Cristas, Filipe Lobo d’Ávila e Francisco Rodrigues dos Santos ‘Chicão’  que preferem um CDS mais conservador, não sei como qualquer um deles salvará o partido da irrelevância política.

E atenção: não me agrada o estilo populista e demagogo de André Ventura mas certo é que a sua mensagem política concentrada na segurança, nas restrições à imigração e na luta contra a corrupção tem surtido efeito — e deverá crescer ao longo dos próximos anos enquanto o PSD e o CDS andarem entretidos em guerrilhas interna. Não é um desejo, é uma constatação de facto.

3 Perante um quadro destes, só vejo uma pessoa capaz de inverter o declínio em que o centro-direita se encontra: Pedro Passos Coelho. Ou ele regressa ou André Ventura terá o caminho aberto para chegar a uma votação clara de dois dígitos que lhe permita rivalizar com o PSD como o grande partido do centro-direita. Pode começar pelos 10%, como pode acabar nos 30%.

Pode parecer um cenário catastrofista mas o atual estado do PSD e do CDS não permite pensar de forma diferente.

Resta saber se Passos Coelho quer e pode regressar à política antes das próximas legislativas. Tal só poderá acontecer quando o eleitorado der sinais claros de que está cansado de António Costa e do PS. O que ainda não aconteceu.

Texto do lead alterado às 22h32m do dia 14 de janeiro