O ódio tornou-se tão, estranhamente, banal — o ódio na política; o ódio em relação a diversos episódios sociais; o ódio no desporto — que me parece importante conversarmos sobre ele. E, depois, quando não é o ódio, parece ter-se tornado tornado tão “familiar” a indiferença diante dos mais diversos episódios do sofrimento humano que, devagarinho, tudo isso ganha espaço e espaço e nos leva a atitudes encolhidas, que era importante que as percebêssemos melhor. Afinal de contas, como se chega ao ódio?

Quando convivemos com recém-nascidos ou com bebés prematuros, o ódio não existe. Existe a ira, claro, quando um bebé se sente defraudado nos seus apelos. E aí, a ira traduz-se no seu ar vermelhusco, num choro a “plenos pulmões” e numa atitude de rejeição massiva de qualquer relação, oscilando, muitas vezes, entre um olhar assustado e uma atitude hostil. Mas partirmos do pressuposto que o ódio é “natural” nalguns de nós é imprudente. Basta que olhemos para a história de vida de muitos daqueles que passaram a mover-se pelo ódio e fica claro que o ódio resulta de exposições repetidas a sofrimentos violentos, sobretudo quando, antes delas, não tenha havido experiências seguras de vinculação e de amor. Por outras palavras, o ódio é um apelo ao apego, insatisfeito. Ninguém nasce odioso, portanto. Torna-se odioso. E na deriva que o ódio representa em relação aos  outros, ele configura uma espécie de grito de triunfo sobre o amor. Que não se teve.

É verdade que sentir ódio e ser odioso são coisas muito diferentes. Sentir ódio, diante de um sofrimento circunscrito — quando somos objecto da violência ou diante duma perda pungente, por exemplo — acaba por ser, naquele momento, uma espécie de antídoto para uma dor corrosiva que se sente que nos mata, por dentro.  A verdade é que, depois de se sentir ódio, aquilo que prevalece é a forma como ele interpela o que consideramos ter de melhor, e a escolha da pessoa que queremos ser, depois disso. Ou seja, sentir ódio pode ser uma forma de interpelação e um factor de transformação importante em relação ao melhor de nós. Sentir ódio e escolher não ser odioso ajuda-nos a ser melhores.

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