Estamos num momento preponderante em que observamos a civilização ocidental a ser destruída, tal como a conhecemos, criada sob a tradição judaico-cristã na justiça, na organização da sociedade e nos seus valores. E a nova forma de exterminar um povo, em vez de o colocar em câmaras de gás, é apagar a sua memória: destruir os seus livros, a sua cultura e a sua História, escrevendo novos livros, apropriando-se da cultura e fabricando uma nova História. Em Portugal, por exemplo, a narrativa escolar é para as crianças terem o dever de, desde cedo, terem vergonha do nosso passado e repugnância pelos nossos valores, a alma que nos distingue e que nos torna únicos.

Há umas décadas atrás éramos um povo iletrado e ignorante. O Estado mantinha o seu poder ditatorial, sob uma mão de ferro, com a resignação de que “Deus providenciará” e assim permaneceu a população conformada, mais tempo do que no resto do mundo ocidental. Hoje somos uma nação altamente qualificada, muito mais habilitada do que os pais ou os avós. Mas apesar de não ser iletrado, continuamos a ser um povo ignorante e inculto, submisso a uma nova máxima que afirma que “o Estado providenciará” – a nova marca portuguesa é de sermos bons alunos dos povos do norte da Europa, de mão estendida e com a mesma resignação coletiva de há muitas décadas atrás. Por exemplo , é inquestionável que fomos quem mais obedeceu às medidas contra a Covid-19, não por uma questão de civismo ou humanidade, mas porque somos um povo treinado para sentar e fazer truques, seguir religiosamente os donos da opinião e esperar servilmente que caiam migalhas de alguma mesa por aí.

Os laivos de patriotismo que nos são permitidos e até incentivados, vêm quando joga a Seleção. Uns miúdos mimados, com dificuldade em articular uma frase inteira, são os novos heróis do país. E os ímpetos regionalistas são apaziguados pela paixão irracional pelo clube de coração. Aqui é consentido o amor ardente e incondicional, desde que, no dia seguinte, as pessoas apareçam para trabalhar na repartição ou na fábrica, com os piores salário da Europa ocidental e um dos impostos mais altos. Quando chegam à noite em casa, esgotados pelo dia de trabalho, não querem ouvir outra coisa sem ser comentários sobre o circo habitual, pelo que os comentadores que disparam vulgaridades são elevados a líderes partidários e até chefes de Estado. Assim se mantém um povo subjugado e sem reação: esvaziando a sua profundidade e esgotando as alternativas de insubmissão.

A nova civilização ocidental vem mascarada de raízes iluministas e serve-se de fantoches que criam uma divisão entre esquerda e direita, marxistas e fascistas, liberais e conservadores, os bons e os maus. Segundo esta narrativa, as novas ideias dão poder ao povo, protegem-no e impedem abusos imperialistas. Todos escolhem um lado e criam uma fantasia romântica individual em que são do lado dos bons, sejam estes de esquerda, direita ou abstencionistas. Depois participam todos de eleições, que consistem em escolher os ditos governantes – quando na verdade quem manda é quem os financia. Esta nova ordem pode não durar o longo tempo da anterior, bastará que as pessoas se apercebam desta farsa a tempo e deitem ao lixo os livros velhos que as dividem. A velha ordem terminou quando as pessoas deixaram de contar com o providenciamento de Deus para encher barrigas e a nova terminará quando se esgotar a providência do Estado. Talvez aí se utilize racionalmente o conhecimento humano, assim como a criação científica e tecnológica, ao serviço das pessoas consideradas individualmente e não de interesses ou agendas coletivas, sem ideologias ou partidarismos. Porque estes levam sempre à maior satisfação das necessidades de um aglomerado ou grupo, em detrimento de outro.

Se é verdade que utilizamos melhor os recursos de forma coletiva e unindo esforços conjuntamente, também é possível entender que o paradigma tem de ser modificado: em vez de satisfazer as necessidades de um povo, uma região, um aglomerado, ou um grupo, é fundamental que o desenvolvimento humano seja canalizado para cada pessoa ou individuo, independentemente da raça, país, estrato, idade, identidade ou habilitação.

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