comunicação | s. f.

co·mu·ni·ca·ção
(latim communicatio, -onis)
nome feminino
1. Informação; participação; aviso.
2. Transmissão.
3. Notícia.
4. Passagem.
5. Ligação.
6. Convivência.
7. Relações.
8. Comunhão (de bens).

Não escrevo sobre a emergência pandémica mas, precisamente por ela, sobre a emergência com que somos confrontados em termos comunicacionais. Por tudo quanto tem de nascer, emergir, brotar, ressaltar da comunicação em tempos como os que vivemos. Eu diria que estamos, também, em emergência comunicacional, uma vez que estamos num caldo, e num caos, emocional porquanto corremos o risco de perder laços, relações, aproximações e cumplicidades com os demais. Se referi, há um mês e há quinze dias, que não podemos deixar-nos embeber pela solidão, assim como seria importante que fizéssemos uso continuado do riso, um recurso único que nos permite alguma preservação, defendo hoje que devemos usar todas as prerrogativas comunicacionais que temos ao nosso alcance. Todas. O ser humano não comunica apenas com a boca e o sorriso. Os olhos comunicam. As mãos comunicam. Os braços comunicam. O corpo comunica. E deve comunicar.

Se usamos máscaras, se vamos viver em afastamento, se nos vemos apenas pelos olhos longínquos, se evitamos cruzar-nos nas ruas, e não só, se optamos pela distância em vez da proximidade, comuniquemos ao menos com tudo o que temos.

Se em presença, ainda que afastados e com máscara, temos braços, mãos, corpo, cabeça, olhos e testa para comunicar. A máscara repuxa a cada sorriso. Isso é uma expressão. Os olhos arqueiam-se a cada sorriso. Isso é uma expressão. A cabeça deve mexer-se e ser um elemento de ligação aos demais. Isso é uma expressão. As mãos, inclusivas e amistosas, devem fazer movimentos brandos e de acolhimento, desempenhando boa parte do papel que fazemos com o sorriso aberto. Isso é um indicador de expressão. O próprio corpo deve mexer-se e aproveitar os espaços – com distanciamento – para poder tornar-se cinestésico. Isso é também expressão.

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A nossa obrigação, para connosco próprios e para com os demais, é sempre uma obrigação de proximidade e de humanidade. Uma obrigação de relações vivas e chegadas. Os nossos pais sofrem pela nossa ausência. Os nossos filhos pela falta do nosso abraço. E não damos o braço e o abraço aos nossos amigos, não lhes apertamos a mão e deixámos o uso do beijo. Usamos um subterfúgio de braço. Mas existe também uma mão no coração. E tudo o mais que possamos usar com criatividade. Temos obrigação de usar o que temos para comunicar, para chegar aos demais. Porque isso trabalha também o nosso eu e torna-o mais próximo, mais humano e também mais estável. Os tempos que se vivem podem precisar de muita análise, informação, opinião, estudo e tudo o mais que possamos pensar. E precisam, seguramente, de muito trabalho. Mas não carecem menos do melhor da nossa comunicação. Do melhor de nós para chegarmos aos outros pela comunicação.

Se temos relações cada vez mais acéticas, façamos um esforço por deixarmos de as ter no que de nós depender. E, nesse, ponto a comunicação faz diferenças. Muitas diferenças.

Movamos, assim, o corpo e os braços. Circulemos pelos espaços que temos. Mexamos as mãos e interajamos com as mãos e a cabeça e as mãos na cabeça. Usemos esse manancial de comunicação que são os nossos braços e as nossas mãos para exprimirmos sentimentos e para comunicarmos. Não podemos perder, na frieza dos tempos e pelos tempos, a capacidade para sermos nós e dizer que precisamos e gostamos dos outros. Reinventemos a comunicação sem expressão de boca e muitas vezes de voz. Tenho para comigo que temos essa obrigação.

Como temos a obrigação de sermos mais cinestésicos e mais movimentados e interativos quando a comunicação decorre por canais digitais. Porque temos essa obrigação de humanidade que é a obrigação de sermos nós, humanos, numa condição que não nos deve abandonar nunca: somos seres humanos que queremos continuar a ser seres humanos. Comunicamos entre nós. Queremo-nos. Gostamo-nos. Se assim é, não tirar partido de todo o potencial de comunicação que temos, significa perdermos uma boa parte do que somos e do que representamos para os outros. E se os demais não o fizerem para connosco, perdemos igualmente esse carinho e proximidade. Sabemos que a comunicação faz-se também de reciprocidade. E de espelho. E todo um conjunto variado de “faço eu-fazes tu”. Se nós fizermos, os outros podem fazê-lo. Saberão como chegar melhor a nós. Como nós chegaremos melhor a eles.

Não, não estou a exacerbar as virtudes piegas do ser humano. Estou apenas a dar conta de que o ser humano complexo é um ser humano comunicacional pleno, expressivo. E que tem obrigação, para consigo e para com os demais, de usar o que tem disponível para manter um bom nível comunicacional. Que toque corações, que suscite emoções, que seja uma dádiva e uma entrega, qual presente, e não qualquer forma agre de interpretação do que temos como disponível. Recusemos a comunicação fácil. Façamos de cada comunicação uma reinvenção. Por nós e pelos outros. Porque o mundo dos homens, o mundo das pessoas, merece esse nosso esforço e esse nosso trabalho.