Tive uma infância privilegiada. Cresci a ver os clássicos.

Na casa onde dei os primeiros passos apreciava-se cinema — nacional e internacional. A minha mãe, fã acérrima de Cottinelli Telmo e Ribeirinho, desde cedo me fez ver os êxitos do Estado Novo. Juntas vimos o Vasco Santana a falar com um candeeiro n’ O Pátio das Cantigas (1942), vimos o fervoroso Sporting – F.C. Porto n’ O Leão da Estrela (1947) e até aprendemos, com o Dr. Vasco Leitão, o que é o esternocleidomastóideo — A Canção de Lisboa (1933). Cedo conheci também o génio de Manoel de Oliveira que, em meados dos anos quarenta, pôs o país a entoar a lenga-lenga de Aniki Bóbó (1942).

Por outro lado, o meu pai incutiu-me gostos além fronteiras. Para além das horas que passámos a ver os filmes do Terence Hill – o cowboy insolente Trinitá –, assistimos também aos grandes do cinema, aqueles que venceram ou estiveram nomeados aos Óscares. Em todas as páscoas vimos a vingança de Ben Hur (1960). Vi o percurso de Dorothy até à Cidade Esmeralda, n’ O Feiticeiro de Oz (1939), vi Maria tomar de assalto o coração das crianças Von Trapp (e também do capitão) no Música do Coração (1965) e em Casablanca (1942) sofri com a partida de Ilsa, deixando Rick de coração partido, mais uma vez.

O gosto pela sétima arte foi-me incutido desde pequena, é certo, mas também foi cultivado ao longo dos anos. É seguro afirmar que devo ter visto mais de 50% dos filmes vencedores de estatueta dourada. Se contarmos com nomeados, com certeza, a percentagem será superior. Agora mais velha, mais consciente, procuro ver sempre todos os nomeados, de modo a ter uma melhor percepção da colheita anual. E é com algum desgosto que constato que actualmente o cinema não está feito para ser visto, mas sim para ser consumido.

Hoje a oferta cinematográfica é maior. É cada vez mais fácil fazer um filme. É mais acessível, quer do ponto de vista económico, como tecnológico. Mas não estaremos a perder a magia do cinema? E o gosto pelos clássicos que notoriamente influenciaram os filmes que vemos hoje em dia?

Estamos a consumir cinema como se de fast food se tratasse, não dando espaço às nossas papilas gustativas para saborear as imagens e os sons que estão no grande ecrã. Nos dias que correm, os orçamentos são cada vez mais elevados, o que possibilita guarda-roupas mais dispendiosos, melhor equipamento de filmagem/edição/montagem e, claro, mais efeitos especiais. Mas será que, por exemplo, daqui a dez anos, iremos recordar algum dos filmes que venceu o Óscar nos últimos cinco anos? E, mais importante, será que os recordaremos da mesma forma que lembramos gigantes como Titanic (1998), O Silêncio dos Inocentes (1991), O Padrinho (1972) ou A Lista de Schindler (1993)?

Cinema é arte – a sétima arte. É, na sua etimologia, a arte de fixar imagens em movimento. É a magia do audiovisual, é acreditar no que se vê, é saborear cada frase, cada paisagem, é odiar o vilão como se fosse nosso inimigo, é amar o protagonista como se da nossa vida se tratasse. Ver um filme é apreciar a obra no seu todo, conhecendo, ainda assim, a sua singularidade. É, no fundo, ser parte integrante da história, do início ao fim. Deste modo, é necessário parar este consumismo cinematográfico desenfreado. É imperativo valorizar todos os clássicos, as triologias, as sagas e todas as obras-primas, ainda que tendo sempre presente que um filme é como uma caixa de chocolates, nunca sabemos o que vamos encontrar.

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