Confirmando o que se previa, Jeremy Corbyn foi eleito líder do Partido Trabalhista no Reino Unido com uma confortável maioria absoluta interna. Depois de uma derrota eleitoral sob a liderança de Ed Miliband – percepcionado ele próprio como demasiado esquerdista por parte importante do eleitorado – o bom senso aconselharia um retorno à receita de sucesso do New Labour de Blair, mas as bases trabalhistas decidiram de forma diferente. O radicalismo esquerdista de Corbyn incendiou paixões no interior do Labour, um pouco à semelhança do efeito que tiveram Tsipras e Varoufakis – ainda que à distância – na ala mais radical do Partido Socialista em Portugal.

Seria fastidioso elencar exaustivamente as posições da agenda radical esquerdista de Corbyn, mas vale a pena ainda assim destacar algumas: retirar o Reino Unido da NATO, reduzir drasticamente os gastos em defesa do país, desarmamento nuclear unilateral, nacionalização de empresas em sectores “estratégicos”, aumentar massivamente a despesa e intervenção do Estado nos sectores da educação, ciência, saúde e cultura e subordinar a política monetária do Banco de Inglaterra ao financiamento directo de projectos do Estado.

Para tentar perceber o que se passou no Reino Unido à luz da realidade portuguesa, seria como se, depois de uma (hipotética) derrota de António Costa nas próximas legislativas, um PS em estado de choque elegesse como líder alguém com o perfil ideológico e a agenda política de Francisco Louçã. Sem surpresa, a extrema-esquerda portuguesa – desde o Bloco de Esquerda à ala syrizista do PS – congratulou-se com a vitória.

Ainda assim, dados os preocupantes sinais de radicalização interna do PS, é de realçar positivamente que tenha havido também várias vozes socialistas a expressar publicamente uma sensata preocupação pela eleição de Corbyn. E é especialmente positivo que António Costa, ao contrário do que lamentavelmente fez há alguns meses – quando referiu que a “vitória do Syriza é um sinal de mudança que dá força para seguir a mesma linha” – tenha desta vez optado por uma postura bem mais prudente e recatada.

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A eleição de Corbyn constituirá mais um teste à previsão feita em 1980 por Arthur Seldon: “Labour as we know it will never rule again”.  Não há garantias de que a previsão continue sem ser refutada, mas também é verdade que uma coisa é ganhar eleições internas num partido com bases radicalizadas e outra, bem distinta, é ganhar eleições no país. Como bem salientou João Carlos Espada: “É indubitável que 251 mil votos (os referidos 60%) são muitos votos. E todos inteiramente respeitáveis. Mas é igualmente indubitável que são uma pequeníssima fracção dos muitos milhões de eleitores britânicos.”

O esquerdismo de Corbyn é de tal ordem que a sua eleição está a ser interpretada por muitos como uma excelente notícia para os Conservadores, que seriam os principais beneficiários do suicídio ideológico do Partido Trabalhista. Em termos de táctica eleitoral de curto prazo, é provável que assim seja, mas numa análise mais abrangente a vitória de Corbyn não é uma boa notícia por duas razões principais.

A primeira, explicada por Daniel Hannan é que tendo como líder do principal partido da oposição um radical esquerdista, o risco de desleixo interno no Partido Conservador aumenta consideravelmente por falta de uma oposição credível. A segunda razão é que, mesmo que Corbyn nunca venha a ganhar umas eleições parlamentares no Reino Unido, a sua vitória interna tem um efeito profundamente negativo no combate político mais importante a longo prazo: o das ideias. No Reino Unido, à semelhança do que acontece em Portugal, o radicalismo esquerdista continua bem vivo, mas habitualmente só é dominante nas Universidades (com especial incidência em departamentos de ciências sociais) e nas redacções da comunicação social. Ter peso suficiente para tomar o controlo de um dos dois principais partidos num país com a importância do Reino Unido é um sinal preocupante e que não deve ser desvalorizado, até porque pode inspirar outros a seguir a mesma linha.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa