1 É estranho, parece mentira mas é o que é: António Costa e Silva, ministro da Economia, tem um alvo nas costas e quase que foi abatido na semana que passou — não pela oposição mas sim pelo seu próprio Governo e pelo partido que suporta a maioria.

O ministro das Finanças, o secretário de Estados dos Assuntos Fiscais, o líder parlamentar do PS e até o seu antecessor no cargo — todos atacaram a descida transversal do IRC defendida pelo ministro da Economia.

Fernando Medina simplesmente mandou calar Costa e Silva, invocando o nome de António Costa (“o Governo tem uma voz (…) a do primeiro-ministro”). Mendonça Mendes recordou uma velha máxima socialista: “os problemas económicos não se resolvem com um choque fiscal”. Eurico Brilhante Dias falou no risco de um “sentimento de injustiça” que podia ser criado com a descida de impostos para as empresas e não para os cidadãos e Siza Vieira defendeu outra política: benefícios fiscais para empresas que reinvistam os lucros.

Compreende-se que os homens das Finanças tentem impor a sua autoridade (ao fim e ao cabo, as descidas e as subidas dos impostos são matéria do seu Ministério) e que o ex-ministro da Economia queria contribuir com uma alternativa válida. Mas já se percebe menos a hipocrisia política do líder parlamentar do PS. É que enquanto membro da direção nacional do PS liderada por António José Seguro negociou uma descida sustentada do IRC com o Governo Passos Coelho.

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2 O mais extraordinário, contudo, é o facto de até dois secretários de Estado do próprio Costa e Silva (João Neves e Rita Marques) terem manifestado publicamente posições próximas dos críticos do ministro da Economia.

Rita Marques, secretária de Estado do Turismo, manifestou o seu apoio a Siza Vieria na rede social Linkedin e o número 2 de Costa e Silva (que também foi braço-direito de Siza Vieira) foi mais vocal: “Dizer que vamos agir em IRC para resolver um problema de curtíssimo prazo é um erro”.

O que demonstra a situação caricata em que se encontra este Governo ao fim de apenas seis meses de mandato: ministros que discutem na praça pública, secretários de Estado que atacam o seu próprio ministro à vista de todos — e um primeiro-ministro calado, a assistir a tudo com uma extraordinária complacência.

Depois de Pedro Nuno Santos ter desautorizado António Costa e, mesmo assim, ter continuado no Governo. Agora também temos dois secretários de Estado a desautorizarem o seu ministro da Economia — e a continuarem no Executivo sem sessão de humilhação pública, como aquela infligida a Pedro Nuno Santos.

António Costa e Silva ainda é ministro da Economia mas em breve deixará de o ser, tal foi o enxovalho que sofreu esta semana. Mas o pior de tudo é um Governo à deriva, em que todos sentem liberdade para fazer e dizer o que lhes apetecer, sem que exista qualquer tipo de consequências.

Jerónimo de Sousa recordou esta semana o “histórico” do PS em “processos de implosão” (o Governo Guterres é um exemplo claro) para colocar a hipótese de a legislatura não chegar ao fim. Ainda é muito cedo para tal projeção mas essa hipótese pode tornar-se cada vez mais real se o Governo não parar com os casos sucessivos que estão a desgastar a sua imagem.

É que a crise económica ainda mal começou. A juntar  e à subida das taxas de juros, vamos ter uma recessão na Zona Euro a partir deste outono/inverno.

3 Questões de poder à parte, Costa e Silva em ou não razão para defender uma baixa transversal do IRC? Não há dúvida que sim. Em primeiro lugar, porque o pacote de apoios às empresas apresentado pelo Governo é claramente insuficiente e a conjuntura atual de subida vertiginosa dos preços da energia (eletricidade e gás) tem consequências nefastas nos custos, nomeadamente nas industrias.

Basta ver o número de casos de instalações industriais em Portugal que reduziram os horários de produção — ou deixaram mesmo de laborar em determinados dias ou horas — porque a atividade de produção deixou de ser sustentável do ponto de vista económico. Se na Europa Central e de Leste a situação é dramática para o setor industrial, em Portugal as dificuldades também são muitas. Até julho, o Índice de Preços na Produção Industrial tinha subido cerca de 25% – sendo que há setores em que a subida chega aos 500%!

A lógica dos apoios às empresas industriais serve precisamente para diminuir os custos, de forma a ajudar a manter a produção. Ou seja, também serve para que a pressão inflacionista seja cada vez mais intensa devido igualmente à falta de oferta.

Por outro lado, com a manutenção da produção, as previsões de pleno emprego que temos para Portugal (e um pouco para toda a Europa) serão mais facilmente concretizáveis. Se aliarmos a perda de compra a uma subida do desemprego, a situação pode ser explosiva do ponto de vista económico.

4 Acresce a tudo isso que o histórico das descidas do IRC tem dados geralmente ótimos resultados. Desde logo porque o maior receio de todos (a descida da receita fiscal) nunca se concretizou. Por exemplo, a última reforma fiscal do IRC em 2014 — que nasceu de um acordo do Governo PSD/CDS com o PS — permitiu que a receita fiscal subisse no ano seguinte de 4,5 mil milhões de euros para 5,2 mil milhões de euros.

O mesmo aconteceu em 2002, 2004 e 2007, como pode verificar aqui.

Se António Costa não tivesse rasgado o acordo feito entre o Governo PSD/CDS com o PS em 2014, o IRC teria descido a partir de 2015 para um intervalo entre os 19% e os 17%. Mas isso não aconteceu e hoje em dia, Portugal tem das mais altas de IRC de toda a OCDE.

Aliás, e se contarmos com as derramas, Portugal terá mesmo a taxa de IRC mais elevada da OCDE, com um total de 31,5% — à frente da Alemanha, França e Itália.

Bem sei que o objetivo dos socialistas é manter os impostos no patamar mais elevado possível, para financiarem todos os programas públicos que desejarem. Redistribuir a riqueza através de impostos e subsídios é sempre um desejo de qualquer socialista.

Algum dia, contudo, tal política pode, e deve, ser corrigida. Basta que António Costa assim deseje, para que tal seja uma realidade. Não são só as pessoas que interessam, as empresas também são fundamentais para manter bem vivo o dinamismo económico.