As sondagens confirmam a coligação na disputa da vitória. Hoje não mas, se recuarmos no tempo, é uma surpresa: este governo executou um brutal aumento de impostos, aplicou cortes draconianos administração pública e foi o rosto português da dureza da troika, pelo que, em condições normais, o PS estaria entre uma maioria absoluta e uma super maioria absoluta. Além de que, no resto da Europa da austeridade e dos resgates financeiros, o desgaste dos líderes de governo tem sido implacável. Ora, não é esse o cenário actual e o interessante é o porquê: o que torna Portugal ou este governo a excepção? Ou, perguntado de outra forma, o que impede o PS de caminhar para uma folgada vitória eleitoral? A meu ver, dois erros estratégicos. Primeiro, não ter compreendido o que se passou no país entre 2011 e 2015: no fundamental (a recuperação económica), este governo foi bem-sucedido. Segundo, ter desprezado a importância da estabilidade política nestes tempos conturbados, apresentando-se como um bloqueio a entendimentos políticos – seja porque recusa negociar com a direita, seja porque não tem parceiros de coligação à esquerda.

Eu sei que juntar as palavras “sucesso” e “governo” só é permitido se escoltadas de ironia ou sarcasmo. Mas os factos são os factos – e não têm preferências ou ideologias. O programa de assistência financeira foi concluído sem necessidade de recorrer a um programa cautelar – o que se previa impossível. A economia cresceu 1,5% no segundo trimestre de 2015 face ao período homólogo. O desemprego caiu para 11,9%, abaixo do registado quando a troika chegou, acompanhado de criação de emprego (cerca de 230 mil novos postos de trabalho desde 2013). A confiança dos consumidores está em máximos dos últimos 14 anos. Estima-se um défice público à volta dos 3% (o que só aconteceu duas vezes em vinte anos). A economia e a comunicação social respiram indiscutivelmente melhor, libertadas das malhas do poder. E, na base de tudo isto, o governo vai concluir o seu mandato, algo inédito para um governo de coligação, tendo resistido a protestos organizados e a ameaças de violência nas ruas. Sim, ameaças de violência – antes de este governo completar 3 meses, Manuel Pinho já declarava que ia tudo “acabar mal” porque “os portugueses são um povo de brandos costumes mas um dia perdem a paciência e pode haver uma reação com consequências imprevisíveis” (Expresso, 2011.08.27).

Não foi o único a dizê-lo. Não foi o único a enganar-se. No PS, foram muitos os profetas da desgraça e os que, ainda hoje, se esforçam por demonstrar como todos os sinais da retoma da economia portuguesa são sinais de um fracasso governativo. João Galamba, Pedro Nuno Santos, Porfírio Silva e Carlos César, entre outros, têm sido as faces mais visíveis dessa estratégia e todos eles são figuras-chave da liderança de António Costa. Ora, essa estratégia foi, desde o início, um erro de palmatória: garantir que só a eleição de Costa como primeiro-ministro levará o país à melhoria é um argumento que cai por terra no momento em que o país melhora sem Costa no governo. Foi o que sucedeu.

Infelizmente para o PS e para Costa, não foi o único erro de importância estratégica. O outro tem sido o reiterado desprezo pelo valor inestimável da estabilidade política, factor decisivo para a superação destes anos difíceis e que continuará a ser indispensável para os desafios que subsistem. Ora, o PS não tem parceiro de coligação à sua esquerda – só os muito ingénuos acreditarão nessa disponibilidade por parte do BE ou PCP. E o PS não tem disponibilidade para fazer acordos com a direita – na entrevista das rádios, António Costa declinou o convite para negociar com PSD/CDS a reforma da segurança social. Ainda mais grave: António Costa afiançou que, perdendo as eleições, o PS seria factor de instabilidade, comprometendo-se a votar contra um Orçamento de Estado para 2016 que desconhece só porque apresentado pela direita. Ou seja, no que depender de António Costa, o PS é um partido isolado – “incoligável” e à margem dos compromissos políticos. O erro é, novamente, de palmatória: a opção de António Costa institui a coligação PSD/CDS como a única candidatura eleitoral que visa garantir a estabilidade política.

Faltam quinze dias para as eleições legislativas e há que falar claro. Enumerar os indicadores de sucesso não é argumentar que tudo correu como previsto (porque não correu) ou que, em certas áreas, não poderia ter corrido melhor (porque podia). Tal como destacar o papel fulcral da estabilidade governativa na retoma da economia não corresponde a esquecer as tensões internas ou o episódio “irrevogável” de 2013. É, somente, devolver alguma razoabilidade ao debate político: o governo foi bem-sucedido no que era fundamental e nisso muito deve à firmeza e à estabilidade política com que governou. Ora, se nenhum destes diagnósticos é novo, o PS comporta-se ainda como quem ainda não percebeu a opção suicidária de negar os sinais de recuperação económica. Ou como quem não entendeu a importância de se afirmar como factor de estabilidade política num contexto de grande incerteza. Até pode ganhar no dia 4. Mas, só por isso, merece perder.

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