Jerónimo de Sousa e Catarina Martins acreditam que é possível viver com conforto e prosperidade numa sociedade em que praticamente tudo esteja nas mãos do Estado. Tropeça-se constantemente em indivíduos que acreditam que os americanos nunca puseram os pés na Lua. As televisões acreditam que Mário Centeno é um “Ronaldo das finanças”. Marcelo Rebelo de Sousa acredita que basta os portugueses verdadeiramente o desejarem para serem “os melhores do mundo”. Os terroristas islâmicos acreditam que as suas matanças os farão conviver intimamente com não sei quantas virgens no Além. Todos os dias os jornais nos querem fazer acreditar que o princípio do fim do mundo está quase a chegar. Lunáticos disfarçados de pessoas normais acreditam que José Sócrates não arrastou o país para a iminência da bancarrota e que Passos Coelho foi o responsável pela vinda da troika a Portugal.

A questão que logicamente se coloca é: será que é possível acreditar em tudo?, ou, sob uma perpectiva ligeiramente diferente, será que é sempre possível acreditar no que se quer? Desde os seus princípios que a filosofia lidou com estas questões, ou questões afins, e hoje em dia o tema continua vivo. Mas, mesmo tendo em conta toda a espécie de limitações racionais à liberdade das crenças, a melhor resposta é mesmo: sim, é possível acreditar em tudo, é possível acreditar em tudo o que se quer. E isso porque o espírito humano dispõe de meios muito eficazes para se iludir a si mesmo e para prolongar e reforçar a ilusão. Aquilo que Kant chamava a “mentira interior” e Sartre a má-fé são exemplos dessa possibilidade a que se recorre abundantemente.

Convém no entanto notar que a força da auto-ilusão se espraia mais facilmente em certos domínios do que em outros. No domínio das ciências, a auto-ilusão que assegura uma espécie de ilimitação à variedade da crença encontra entraves poderosos sob a forma da possibilidade da prova. Bem posso tentar convencer-me que a estrutura última da matéria reside nos tremoços, que o tremocismo não terá hipótese alguma de me assegurar o Nobel. Alguém me mostrará com facilidade que laboro no erro e serei forçado a reconhecer que me enganei. E se resistir à demonstração, adoptando uma postura sistematicamente agressiva, bom, há certos lugares onde me arrisco a ir parar e onde poderei confrontar a minha teoria, em amena cavaqueira, com a de um físico pistachista, sob a vigilância atenta de um médico.

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