No dia 3 de Setembro de 1939, a Inglaterra às 11 horas e a França às 15 horas, emitiram a declaração formal de estado de guerra entre os seus países e a Alemanha, na sequência da invasão nazi da Polónia no dia 1 de Setembro.

Às 19 horas desse mesmo dia 3 de Setembro, o navio de passageiros Athenia, que navegava entre o Reino Unido e a costa leste do Canadá, carregado de civis e refugiados, foi torpedeado e afundado por um submarino alemão, resultando desse acto 138 mortos e não ainda mais pois o navio afundou-se lentamente.

O submarino alemão U 30 comandado por Fritz-Julius Lemp cometeu o primeiro crime de guerra do regime nazi depois das hostilidades estarem oficialmente declaradas e provavelmente o crime mais rápido da História, uma vez que apenas tinham decorrido 8 horas, desde a declaração de guerra.

O poder nazi durante o tempo que a guerra durou sempre negou que um de seus submarinos tivesse afundado o navio e uma admissão da responsabilidade alemã só ocorreu em 1946 e apenas existiu porque a Alemanha perdeu a guerra.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O Comandante Fritz-Julius Lemp, que nunca viria a ser acusado de crime pois faleceu em plena guerra em 1941 com 28 anos, terá afirmado que o Athenia navegava em ziguezague, fora das rotas de transporte normais, fazendo com que ele acreditasse que era um navio de tropas, um navio de chamariz ou um navio mercante armado.

O caso ficou em segredo até Janeiro de 1946, quando durante os julgamentos de Nuremberga o Almirante Dönitz leu uma declaração em que finalmente admitiu que o Athenia tinha sido torpedeado pelo U-30 e que todos os esforços foram feitos para manter o caso em segredo.

Na fase final da guerra e com a Alemanha já derrotada mas ainda não rendida, em 30 de Janeiro de 1945, o também navio de passageiros, neste caso alemão Wilhelm Gustloff, foi torpedeado pelo submarino soviético S 13 no mar Báltico.

No momento do ataque, encontravam-se a bordo aproximadamente 10 582 passageiros e tripulação, sendo que no final, um número estimado de 9 343 estavam mortos, entre estas 4 mil crianças. Representa o maior desastre naval de todos os tempos, resultante do naufrágio de uma única embarcação.

O comandante do S-13 era Alexander Ivanovich Marinesko, nascido em 1913 em Odessa (actualmente cidade ucraniana que os russos tentam tomar). Ao invés de Fritz-Julius Lemp que morreu em combate durante a II Guerra, Marinesko foi demitido da marinha russa em outubro de 1945 (nunca se apurou se por beber demasiado ou por ter afundado o Wilhelm Gustloff) e morreu em 25 de novembro de 1963. Apesar de tudo isto, Marinesko foi reabilitado e agraciado postumamente em 1990, como Herói da União Soviética, exactamente por Mikhail Gorbachev.

Lemp, como Marinesko e quem lhes deu (se foi o caso) as ordens para tal, ao afundarem navios de passageiros, em Setembro de 1939 e em Janeiro de 1945, violaram as convenções de Haia e cometeram indubitavelmente crimes de guerra. Mas como vimos, embora por razões diferentes, nenhum foi julgado pelo seu crime.

Hoje assistimos de modo muito diferente do que acontecia há 80 anos durante a II Guerra a crimes de guerra em directo e quase em tempo real.

Mas apesar dessa evidência, tal como o ministro da propaganda nazi Joseph Gobbels afirmou publicamente em 1939, que tinha sido Churchill a ordenar o afundamento do Athenia para acusar falsamente os alemães, se algo não mudou desde então, foi seguramente o descaramento na mentira, quando ouvimos as autoridades russas afirmarem que os massacres de Bucha são uma encenação ou um acto deliberado do governo ucraniano.

Como todas as guerras esta também findará um dia. As hostilidades terminam, os tratados são assinados, mas os crimes de guerra normalmente ficam sem punição entre os derrotados e é praticamente impossível serem objecto de condenação se forem cometidos pelos vencedores.

Os crimes de guerra cometidos e sem castigo, só no Séc. XX, são de tal dimensão que, para enunciá-los, não chegaria uma das antigas listas telefónicas e, apesar disso, continuamos a não possuir uma ordem jurídica internacional que permita com alguma eficácia julgar os autores materiais e morais de tais crimes.

O tribunal de Nuremberga em 1946, abriu em certa medida as portas do direito internacional à tutela deste tipo de crimes, mas foi de facto um tribunal dos vencedores, embora a natureza terrifica dos crimes nazis, não nos deva fazer perder um minuto na nossa consciência sobre o destino dos criminosos condenados, salvo lamentar que a sua maior parte nem sequer tenha sido punida.

Nos dias de hoje, existe desde 2002 um Tribunal Penal Internacional permanente (TPI) com sede em Haia, cujo objecto é exactamente julgar os autores de actos criminosos, entre os quais os crimes de guerra e o genocídio. E em alguns casos tem funcionado, mas com duas nuances: O criminoso tem de pertencer a um pequeno país e esse país tenha saído da guerra na condição de vencido.

O TPI tem 123 signatários que aceitam a sua jurisdição. De entre estes países, apenas dois do clube nuclear o subscrevem: França e Reino Unido. Os restantes Estados possuidores de armas nucleares, Estados Unidos, Rússia, China, Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte não se se sujeitam à sua tutela.

Enquanto a disponibilidade para aceitar uma ordem jurídica criminal internacional for esta, os crimes de guerra continuarão a ser julgados na opinião publica e na comunicação social, mas não o serão nos tribunais. E não há sintomas de melhoria, bem pelo contrário.