A crise das urgências prolonga-se, conforme expectável, embora amplamente negado, pelo verão fora.

As medidas, pomposamente, anunciadas, nomeadamente a rápida nomeação de (mais uma) comissão para resolver a crise das urgências de obstetrícia; a criação de uma plataforma onde as grávidas descobrem o que está ou não a funcionar; e um decreto-lei que concede autonomia aos hospitais para realizarem contratações para as urgências (que já lhes pertenceria, estatutariamente, mas que lhes vem sindo negada) e estabelece valores majorados para pagamento de horas extra, com limite de despesa igual a 2019,  foram, alegadamente, um logro, “uma mão cheia de nada” ou “inaplicáveis”, conforme muitos responsáveis hospitalares já afirmaram.

E muitas urgências, principalmente de obstetrícia e da área pediátrica, de norte a sul do País, continuam a encerrar, intermitentemente, alheias ao discurso otimista dos membros do Governo, ao desespero dos utentes e da população em geral, que assiste a tudo isto, incrédula, mas “mansamente”.

É, aliás, esta uma das características do nosso povo, que se tem vindo a manifestar, reiteradamente, em diversos momentos de crise: somos “mansos”. Quando fazemos revoluções, usamos flores; quando pela Europa fora há manifestações dos ditos “coletes amarelos” por cá usam-se os mesmos coletes para peregrinações a Fátima…

“Mansos, mas não tansos!”

Nos últimos dias, algumas notícias tentaram passar a ideia de que estava tudo bem.

Primeiro, divulgando números de médicos já contratados por alguns hospitais, supostamente ao abrigo do referido decreto-lei, para resolverem as crises das urgências. E se alguns Conselhos de Administração foram mais cautelosos no entusiasmo que pretenderam transmitir, outros, mais “fustigados” pela crise, avançaram mesmo com dados fantásticos, que exemplifico: “…foram celebrados contratos sem termo com seis especialistas: dois de psiquiatria, um de reumatologia, um de infecciologia, um de neurologia pediátrica e um de hematologia…”. Previsivelmente, a crise das urgências de obstetrícia ficará sanada com estas contratações…

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Mais recente, alguns Conselhos de Administração foram mais longe naquilo que só poderá ser entendido como um instinto de sobrevivência muito apurado ou uma subserviência ao Ministério da Saúde que, não fora insultuosa para todos as pessoas, mesmo que apenas moderadamente atentas, poderia ser louvável, ao afirmarem que “…os seus serviços de Ginecologia e Obstetrícia e de Urgência Geral estão a funcionar”, explicando depois que “ocasionalmente, por motivos de elevada afluência e equipa médica incompleta, tem solicitado ao CODU o temporário encaminhamento de utentes urgentes/críticos para outros hospitais… Contudo, durante esse período, os serviços de Ginecologia e Obstetrícia e de Urgência Geral permanecem em funcionamento, garantindo a presença mínima de médicos internistas, pelo que é garantido o atendimento de todos os doentes que chegam pelos seus próprios meios”.   Um comunicado, de um outro Hospital, informa que o Serviço de Urgência Pediátrica tem registado “alguns constrangimentos no atendimento aos utentes, … e foi necessário ativar o desvio de doentes enviados pelo Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU/INEM) mas que se manteve a urgência externa a funcionar, dando resposta a quem lá se dirigiu pelos seus meios”.

Ou seja, em ambas as situações, os Hospitais deram, alegadamente, indicações ao INEM para não transportarem para lá doentes urgentes e emergentes, ficando apenas a funcionar (o Serviço de Urgência!) para aqueles que conseguissem caminhar até lá, ou chegar lá pelos seus próprios meios ou que estando a dar um passeio pelas redondezas, resolvessem entrar para serem observados.

Que não tenham resolvido a crise das urgências com nenhuma das medidas anunciadas, era previsível.

Que não tenham capacidade ou vontade para implementar as medidas de fundo que se impõem como necessárias para resolver a crise do SNS, é, infelizmente, expectável.

Mas, ao menos, que haja decoro!