Há uns anos atrás decidi pregar uma “partida” a uma socialista-quase-bloco-de-esquerda-e-às-vezes-comunista que me dizia que a direita estava a destruir o mundo. Por oposição dizia-lhe eu que achava que era a esquerda que estava a destruir o mundo. Enviei-lhe um texto, que tive o cuidado de reproduzir em formato editável para não ser identificada a fonte e gerar desde logo um pré-conceito, e no final lançava-lhe o desafio: “o que achas deste texto?”. A resposta veio rápida e objetiva: “é exatamente isto que eu defendo. Estás a ver como eu tinha razão!” ao que respondi, “então ambos concordamos com tudo o que ali está escrito. Isso deixa-me mais descansado pois afinal és de direita social e não sabias”.

Mas vamos então ao cerne desta questão. Creio que todos nós, pessoas com bom senso, humanistas, preocupados com o bem comum, com a dignidade da pessoa humana, que defendem os princípios da subsidiariedade e da solidariedade, família, trabalho, economia, política, meio ambiente e paz temos a tendência de colocar em compartimentos ideológicos os nossos pensamentos. Se nos cingíssemos aos valores então não haveria esquerda, nem centro nem direita, mas tão somente uma visão sobre o homem e a humanidade. Aos longos de vários séculos tem sido preocupação da Igreja Católica transformar a sociedade com a força do Evangelho, este foi, e continuará a ser, o maior desafio para qualquer católico. Claro que todos os que não o são assumem desde logo uma posição de defesa e não poucas vezes ouvimos: “Cristãos…esses fundamentalistas sem noção” quem diz cristãos diz muçulmanos. Já por outro lado não ouvimos o mesmo sobre os budistas ou hindus, ou até mesmo ateus ou agnósticos.

Com tantas doutrinas no mundo é fácil confundir e sobretudo compartimentar cada uma delas tal como acontece com as caixinhas ideológicas que referi anteriormente. Em tempos de globalização e sobretudo de grandes desafios, como aqueles que estamos a enfrentar, toma particular relevância o esforço necessário desenvolver para a convergência de pensamento e ações que visam uma preocupação efetiva com o homem e com a humanidade.

A expressão doutrina social da igreja remete-nos para o conjunto de orientações da Igreja Católica para os temas sociais (os referidos no segundo parágrafo) e todos os que não são cristãos/católicos mas que se revêm naquelas temas não se preocupem que ninguém os vai rotular de fundamentalistas religiosos. É importante tratarmos cada pessoa como um caso único e irrepetível com os seus talentos, os seus dons, as suas falhas e as suas particularidades e esse é, e deverá ser sempre o nosso foco. Temos acompanhado e apoiado o fantástico trabalho do JRS – Portugal (Serviço Jesuíta aos Refugiados), onde a preocupação é a pessoa e não o credo, a cor, a ideologia, o país de origem, etc. Aqui encontramos verdadeiramente aquilo que é o acolhimento e a preocupação com o individuo.

Ouvi várias vezes: “com tantos portugueses a precisarem estão preocupados com os que vêm de fora” ou “eu já descontei muito para a Segurança Social e nunca me deram uma casa” ou ainda “estes chegam e arranjam-lhes logo emprego”. Quem diz isto não é de esquerda ou direita, católico, muçulmano ou ateu, é apenas alguém que não percebeu ainda que o ser humano e a humanidade estão acima de todas as caixas e compartimentos. Tenho assistido a pessoas de esquerda, de direita, católicos, muçulmanos, ateus e agnósticos a trabalharem em conjunto e com um único objetivo, proporcionar condições de vida dignas e sustentáveis a quem necessita e esse é, para mim, o caminho a seguir independentemente de nos colocarem mais um rótulo. Se calhar temos que nos preocupar mais em fazer do que em comentar e se quisermos comentar até o podemos fazer, mas de forma justa, equilibrada e sem ser com o objetivo de atear fogo, gerar a discórdia e promover o ódio.

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