Primeiro, a notícia brutal: uma menina de doze anos foi violada pelo padrasto e ficou grávida. Ao horror do abuso da menor e do crime do marido da mãe, acresce o drama da vida que traz no seu seio.

Depois, de forma aparentemente inofensiva, anuncia-se que o hospital em que está internada a rapariga em questão – sim, o hospital! – se vai paternalmente interessar pelo caso. A opinião pública fica, então, inteirada de que a dita jovem está entregue à supervisão desse benfazejo organismo público, erigido, para o efeito, em pai e mãe de substituição.

Num terceiro acto deste drama, tão bem orquestrado mas tão mal contado, vem-se a saber que a etérea e impessoal entidade caridosa que dá pelo nome do referido hospital lisboeta, decidiu fazer abortar a jovem mãe. E, por último, só depois se diz, como quem não quer a coisa, que a criança tinha sido gerada há cinco meses.

Infelizmente, a adolescente não é tida nem achada: cruelmente desrespeitada por quem dela criminosamente abusou, volta a ser ignorada por quem, escondido sob a aparente neutralidade de uma inócua instituição sanitária, decidiu por ela o aborto. Não se entende a abusiva intervenção do dito hospital, cuja reconhecida competência científica não lhe aufere, como é óbvio, qualquer poder decisório em relação ao aborto da menor. Compete às autoridades sanitárias o acompanhamento de uma gravidez de risco, como é o de uma rapariga de doze anos. Mas não decidir sobre o seu desfecho, sob o subterfúgio de um parecer clínico, nem muito menos impor, a uma adolescente fragilizada por tão dolorosas circunstâncias, uma decisão eticamente muito questionável e irremissível.

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É também muito estranho que, em nenhum momento deste obscuro processo, se refira o parecer da mãe e do pai da menina em causa, porque eles são, dada a menoridade dela, os seus legais representantes. Se lhes foi judicialmente retirada a tutela da filha, não foi com certeza para o hospital que a mesma foi transferida. Mesmo que fosse vontade da jovem mãe pôr termo à gestação, a instituição sanitária não deveria realizá-la sem o expresso consentimento dos seus representantes legais, que aqui não foram, ao que parece, consultados.

A morte de uma criança ainda não nascida, contra a vontade da mãe e à margem dos requisitos previstos na lei, é um crime, competindo às autoridades judiciais o apuramento das correspondentes responsabilidades criminais. Não da infeliz menor, que é também vítima deste aborto, como antes o tinha sido da violação, mas de quem abusou da sua inocência, de quem foi cúmplice desse atentado à sua dignidade, de quem depois decidiu o aborto e de quem o executou.

Não é despiciendo o facto de o aborto ter sido voluntariamente provocado e aplicado a uma criança que já estava no quinto mês da sua gestação. Embora, do ponto de vista científico, não haja nenhuma dúvida de que é no momento da concepção que se dá o início de uma nova vida humana, mesmo os mais permissivistas defensores do aborto reconhecem que aos cinco meses ou, melhor dizendo, a partir das 22-23 semanas, o nascituro já é viável. Vinte e seis semanas tinha, por exemplo, o filho de Mariza quando nasceu prematuramente: hoje é uma criança feliz e saudável, como sua mãe agora confidenciou, em recente entrevista. Porque razão este pôde nascer e aquele não? Têm, os directores clínicos, poder de vida e morte sobre os seus pacientes? É isto o que resta explicar e o país precisa de saber.

O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa recordou, na última assembleia plenária, que a questão do aborto não está encerrada e que os cristãos precisam de saber a posição dos partidos neste particular. Os cidadãos eleitores têm direito a conhecer o parecer dos partidos sobre este caso em particular e sobre esta temática em geral, para depois poderem votar em consciência. O cómodo silêncio em que alguns se procurarão esconder mais não será do que uma confissão da sua cumplicidade.

Ontem, 1º de Maio, fez mais de meio século que uma outra jovem mãe, então com 26 anos e já três filhos, deu à luz a três gémeos. A gravidez foi de alto risco e duas das crianças, ainda prematuras, tiveram que ir para as incubadoras. Todas sobreviveram até hoje, graças a Deus, aos seus pais e à extraordinária equipa médica que lhes assistiu nessa emergência. Sou um destes trigémeos e agradeço o que os excelentes profissionais de saúde então fizeram pela minha mãe, pelas minhas irmãs e por mim. Infelizmente, a criança que agora foi abortada e a sua jovem mãe não tiveram a mesma sorte.

Sacerdote católico