É comum que a sociedade em geral seja muito crítica em relação a algumas empresas e empresários, apresentando argumentos, muitas vezes circunstanciais como: gestão danosa, erros de estratégia, investimentos muito arriscados, sem uma correta gestão de riscos, falta de ética nas decisões, falta de transparência, etc. Contudo, por vezes, as razões dadas são mais profundas, como sejam estratégias e objetivos “curto-prazistas” prejudiciais para a sociedade e a sua sustentabilidade.

Essas críticas são compreensíveis, umas mais outras menos, mas o quadro só fica completo quando reconhecemos a contribuição muito positiva de outras tantas empresas. Na verdade, empresas existem que tentam satisfazer uma vasta gama de reais necessidades humanas; criam riqueza e emprego; formam, treinam e motivam os seus colaboradores; mobilizam pessoas e materiais para projetos de grande magnitude e impacto social; atuam com eficiência e promovem a eficiência na sociedade; inovam, são flexíveis, adaptam-se e são capazes de se recriar em contextos de mudança para garantir a sua continuidade. Sem dúvida, com dificuldades, com contratempos, com erros, como toda a obra humana, mas com um grande potencial, que, quando compreendido e desenvolvido, torna a empresa e a sociedade maiores.

Giovanni Agnelli, antigo CEO da Fiat, neto do seu fundador, dizia amiúde que uma empresa é, antes de mais, uma comunidade de pessoas com interesses, sonhos, objetivos e motivações pessoais, das quais se espera, diariamente, um milagre: o milagre de trabalharem juntas, colaborarem num projeto comum, unirem-se num propósito comum, mesmo que o façam por razões muito diferentes. Além do mais, acrescentava Agnelli, devem alcançar esse objetivo de forma eficaz, porque os resultados da empresa devem ser os adequados. Hoje e amanhã, porque a empresa tem vocação de continuidade: não de eternidade porque, como todas as obras humanas, é transitória; mas sim com desejo, com sentido, de auto-continuidade.

Duas conclusões podemos retirar desta visão da empresa. A primeira é a de que não é fácil a convivência e unidade quotidianas e a segunda é a de que não chega considerar, à vez, as responsabilidades económicas, sociais ou éticas. Pelo contrário, é imprescindível ter todas em conta no momento de tomar decisões. Só assim é possível que se desenvolva a confiança na empresa e, sem confiança, qualquer que seja a organização, não tem futuro.

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E não serve qualquer ética: há-de ser uma ética que dê prioridade às pessoas ante outros critérios, que reconheça a dignidade de todos e a contribuição de todos, quaisquer que sejam as suas dificuldades e fragilidades, que tenha em conta o desenvolvimento integral de cada um e o desenvolvimento de todos, integralmente. Por exemplo, não podemos pedir lealdade, dedicação e iniciativa aos colaboradores, ao mesmo tempo que, sem mais razões, descartamos muitos deles. Ou manter uma elevada produtividade, mas à base de pactuarmos com condições e situações sociais indignas. Em todas estas decisões se joga a própria razão de ser da empresa e a sua sobrevivência.

É assim nas empresas, nas famílias e na sociedade.

Também em sociedade, as soluções mais justas e humanas são muitas vezes mais difíceis e complexas do que o simples descarte (construir uma rede adequada de cuidados paliativos é mais difícil do que, descomprometidamente, despenalizar a eutanásia), mas é a própria sociedade que o requer em nome da esperança na humanidade e num futuro sustentável.

Assim como as empresas, e empresários, se fortalecem quando dão prioridade às pessoas, lhes reconhecem a sua dignidade e cuidam e contam com todas elas. Assim também uma sociedade, e os seus governantes, só são grandes se se mostram grandes com todos os seus cidadãos, mesmo com quem ainda não o parece ser ou quem já parece que o não é.

Dean da AESE Business School