Sempre que se optou por mais Estado, os resultados foram os mesmos: desastrosos. Afonso Costa, Salazar, Vasco Gonçalves e também António Costa exemplificam-no. No caso deste último, que age como se a TAP não fosse uma nacionalização, também é necessário lembrar o que se passa no SNS e na educação. Mais Estado não é a solução.
Ao contrário de Mário Soares, se que afirmou contra o PREC não se aliando aos comunistas, António Costa foi incapaz de resistir e o preço para ser Primeiro-ministro foi dar acesso ao poder aos demagogos totalitários do PCP e BE. Como tal, não é que admirar que o PS, perdão, a coisa socialista de 2023 já não seja o PS de 1974 e que Mário Soares não passe de uma ténue memória, evocada apenas quando conveniente.
O fim do PS democrático representou a ascensão do neo-socialismo que é essencialmente caracterizado pelo aumento transversal de poder e pela irresponsabilidade perante a lei. E os neo-socialistas não gostam de Soares. Praticam alegremente a amnésia conveniente renegando o 25 de novembro e desdenhando a gestão soarista do IX governo. Lembram-se da lei da delimitação dos sectores? Lembram-se da reversão das nacionalizações? Lembram-se da seriedade na negociação com o FMI? Lembram-se da defesa pública da austeridade? Apesar de não os terem resolvido totalmente, estas decisões foram instrumentais para minorar os impactos nefastos das nacionalizações gonçalvistas. Mário Soares procurou resolver problemas na realidade. Os neo-socialistas não. Para António Costa, não há nada melhor do que um PowerPoint para governar.
Na coisa socialista de António Costa, nada se conhece, nada se resolve, tudo se perde ou desconhece. A regra é cobrar mais impostos e desperdiçar dinheiro. Fazer a mesma coisa esperando obter resultados diferentes é a definição de insanidade. Contudo, António Costa faz a mesma coisa há décadas e continua sem aprender a lição. Pensei que se tratasse da extraordinariedade, mas isto já vai para além de uma mera alienação.
A habitação é a mais recente cruzada de António Costa por mais Estado. Como sempre, o Primeiro-ministro optou por soluções conjunturais (preferindo a procura em vez da oferta) e sem qualquer referência a questões como a competência das Câmaras Municipais nos PDMs.
Nem a semântica, nem a retórica, deviam ser instrumentos da mentira e do engano. Porém, já sabemos que a verdade e a política estão de costas voltadas. Dizer que a escolha é entre habitação ou alojamento local é um absurdo, mas o PS é indubitavelmente um partido caracterizado pelo pensamento binário. É por isso que não progride, preferindo, entre a realidade e a utopia, esta última. Estou a exagerar? Os entendimentos da Ministra da Habitação, Marina Gonçalves, sobre requisição e posse (administrativa) são esclarecedores. Segundo o Priberam, Requisição pode significar: 1. Pedir ou requerer algo ou alguém de modo oficial ou formal (ex.: requisitar serviços especializados; requisitar um funcionário); 2. Solicitar alguma coisa, geralmente de forma temporária (ex.: requisitou dois livros na biblioteca); 3. Exigir. Por sua vez, Posse pode ser entendida como: 1. Retenção ou fruição de uma coisa ou de um direito; 2. Estado de quem possui uma coisa, de quem a detém como sua ou tem o gozo dela; 3. [Jurídico, Jurisprudência] Acção ou direito de possuir a título de propriedade. Ora, na entrevista que deu à Hora da Verdade, Marina Gonçalves afirmou que o Governo não pretendia requisitar, mas antes proceder a uma posse administrativa por a propriedade não estar a ser posta em causa.
Não sou jurista, mas ao longo da minha vida académica tive várias disciplinas de direito. Do que me recordo, os direitos reais (iura in rem) surgiram por via actio in rem (defesa contra o aproveitamento do titular da sua coisa), tendo os direitos reais capacidade erga omnes, ou seja, validade geral.
Tendo em conta os significados acima enumerados e aquilo que o Código Civil e o Código das Expropriações expressam, creio ser possível dizer que a diferença entre a expropriação e a requisição dá-se ao nível da eficácia. Enquanto esta mantém os direitos reais, facultando ao requisitante apenas o uso da coisa para um fim específico e temporal, aquela cessa os direitos reais. Não estando em causa uma expropriação, nem, pelos vistos, uma requisição, de que modo é que o Governo vai materializar a posse administrativa? E qual é o prazo temporal considerado para esta posse? Infelizmente, estas decisões, independentemente da sua praticabilidade, vão ter efeitos estruturais. O principal dos quais será a destruição do mercado da habitação.
É indesejável que o PS procure confundir-se com o PCP ou com o BE. António Costa devia regressar ao socialismo democrático. Mas como Mário Soares também faz parte da amnésia de conveniência dificilmente isso acontecerá.