A economia 4.0 e, mais recentemente, a pandemia da Covid-19 mudaram significativamente o paradigma das atividades de ensino e de investigação, forçando uma adaptação súbita das universidades para responder a um contexto extremamente adverso e ainda muito imprevisível.

Se a resposta imediata às primeira e segunda vagas tem sido capaz e funcional, uma das grandes questões do futuro imediato será o impulso de modernização para aguentar a pressão competitiva acelerada, a concorrência global na educação online e a pirueta de um ensino cada vez mais transformacional. À incerteza do que representa ao certo modernizar uma instituição milenar como é a Universidade – no sentido clássico em que a conhecemos –, juntam-se as exigências das novas gerações e, em particular, da geração Z: cujo chip já nem sempre liga muito bem com rituais de ensino rígidos e demasiado expositivos.

Estes nativos digitais não são apenas extremamente familiarizados com as novas tecnologias, mas preferem-nas antes de tudo. Estudos da Pew Research Center relativos a 2020 revelam que 44% destes jovens preferem cursos online, 72% gostaria de ter um currículo universitário individualizado (e não standard) e mais de 50% passa mais de três horas por dia no Youtube, considerando-o uma fonte importante da sua aprendizagem. Chegados aqui, o online jamais poderá voltar a ser supletivo no ensino superior. Urge, pois, estabelecer uma marca de qualidade e credibilidade para o ensino universitário remoto, que não fique aquém do presencial ou seja rotulado de ensino de segunda categoria, porque simplesmente não o poderá ser neste futuro que se avizinha.

Nesse sentido, há que refletir sobre padrões enraizados:

  1. É preciso otimizar a tecnologia e colocá-la a favor da transferência de conhecimento, encarando o ato de aprendizagem também como um produto de co-criação. O professor não tem forçosamente de dar uma aula como um produto acabado, mas deve jogar com estímulos que vão ao encontro dos alunos potencialmente atraídos por temas muito diversos. Os nativos digitais são multidisciplinares.
  2. É necessário saber cativar os jovens que, perante textos de várias páginas, se dispersam. Os jovens da geração Z sofrem da síndrome do peixe encarnado, como bem explica Bruno Patino no livro La Civilisation du Poisson Rouge. Muitos jovens têm uma capacidade de concentração reduzida, calculada em nove segundos pela Google, ironicamente comparada aos pequenos peixes de aquário vermelhos, cuja concentração não vai além de oito segundos. Os nativos digitais querem informações quase tão rápidas como aquelas a que acedem com o seu smartphone.
  3. A ideia da sala de aula também mudou. O conceito de anfiteatros que marcam a distância entre professores e alunos, num modelo estilo fórum romano, está a migrar para um desenho arquitetónico de ambiente cada vez mais criativo, de soluções flexíveis, arejadas, materiais orgânicos, leves e com otimização da luz natural. Os jovens da geração Z não gostam de paredes de cimento ou universidades com muros.
  4. As capacidades dos alunos devem ser potenciadas ao máximo através do “petróleo” do nosso tempo: os dados. No mundo do 4.0, do big data, da inteligência artificial, da biologia sintética, da robótica, da computação quântica, devemos abrir o mundo, criando interdisciplinaridades com recurso à prolixa rede de dados disponíveis. Os nativos digitais querem um mundo amplo à sua mercê.

Obviamente, estas mudanças são um processo e, claro, requerem tempo. Mas o mais importante é que tenhamos presente estes desafios e que os novos universitários se distinguem de todas as gerações anteriores, porque nasceram e cresceram convivendo com a maior revolução tecnológica de todos os tempos.

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Alguns deles já experienciam jogos de imersão, ou imersão parcial, em que a realidade física é substituída por outra virtual, onde passam algum tempo. Essas vivências naturalizam um processo mais dia menos dia comum, em que a tecnologia substitui algumas vantagens da presença física. Nessa ideia futurista, não se estranham as preferências destes jovens pela deslocalização das formas de aprendizagem, pelo ensino remoto ou mesmo pelo currículo “à medida”.

Certamente, estaremos ainda longe dessa disrupção no imediato, mas será avisado pensar estrategicamente em formas adaptativas que acompanhem as solicitações desta geração, habituada à conetividade, e os imperativos da competição à escala global.

Apesar disso, a Universidade deve continuar a ter caminhos de aprofundamento em todas as áreas temáticas, evidenciando a excelência académica e universalizando os achados científicos – notabilizando o seu pioneirismo. Berço de um património histórico, filosófico, moral e ético, a Universidade deve ainda ajudar os jovens cidadãos a assimilar um património civilizacional inesgotável, em que a dimensão humana distingue sobremaneira e continua a ser a chave-essencial para a reconfiguração de um mundo tecnológico, muito diferente, e que nos desafia definitivamente.

Caderno de Apontamentos é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.