“Cada palmo de terra era um dia de miséria, assistência inexistente, salários baixos, alojamento do pior”
Aquilino Ribeiro, 1958, Quando os Lobos Uivam

Amarelo em baixo, azul em cima. Nos nossos dias todos conhecemos as cores da bandeira ucraniana. Todos vimos também fotos de paisagens a simular tal imagem que a própria bandeira representa: os campos de cereais sob o céu azul. Gostamos. Lembra a paisagem alentejana de há umas décadas. E alguns lembram-se ainda mais, lembram-se do “Celeiro de Portugal”. E, sempre que ouvem falar sobre aumentos de preços, lamentam que já não o seja.

São qualquer coisa como 800 milhões de importações portuguesas de cereais, sobretudo de França e Espanha, complementados com compras a países do outro lado do Atlântico, que cereais pelo mundo não faltam – a produção é maior que o consumo. Da Ucrânia, uns 10%. Pelo que não se assustem: não vamos ficar sem pão, nem teremos que voltar à vida miserável a troco de pão para a boca, fechados ao mundo que nos rodeia: se houvesse vantagem económica, os campos tinham trigo e os socalcos milho. Não têm porque o negócio é mau. Tão mau que ou foi trocado por outras culturas (e temos importantes setores de vinho ou azeite por exemplo) ou simplesmente foi abandonado. Se é para pagar impostos para suportar artificialmente cerealicultura, que se comece pelas áreas protegidas onde garantir a conservação de valores naturais implica apoiar esta atividade deficitária.

Igualmente romantizamos a nossa floresta. Antes era tudo verde, dizem-nos os mais velhos. Hoje a floresta é rara pensam os mais novos. E a verdade é que, em pouco mais de um século, passámos de um país “careca”, “estéril”, “desértico” – nas palavras de grandes autores do séc. XIX como Link, Andrada e Silva, Varnhagen ou Pery, Brotero ou Herculano… – para o mais florestado dos países do sul da Europa. A floresta, antes residual, é hoje o principal uso do solo. E não, não foram só os eucaliptos a crescer. Foram todas as suas configurações a crescer, nomeadamente a quintuplicação do pinhal ou das folhosas caducifólias, assim como os montados também quadruplicaram.

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Hoje a realidade é outra, assim como, claro, os seus constrangimentos e oportunidades. A bicharada, de Veados a Esquilos, passando por Linces ou Javalis e até por uma recente visita do Urso, tem regressado às nossas paisagens onde, sem pessoas, a natureza cada vez mais governa, o que pode ser aproveitado sob várias vertentes, da conservação da biodiversidade à caça, passando pelo turismo, desporto, lazer, captura de carbono, etc. Não obstante, face diferente da mesma moeda, a evolução dos sistemas naturais resulta em perigos vários, do elevado risco de incêndio à proliferação de pragas e doenças.

Neste novo contexto, o desafio não está em ter mais árvores – há centenas e centenas de milhões de árvores em Portugal – mas sim em como protegê-las. Apesar disso, 21 de Março é dia festivo: milhares e milhares de árvores serão plantadas em todo o país. Darão umas boas fotos. Cumprido o dever, no dia seguinte ficarão entregues a si próprias, que isso de regar, cortar mato, etc. não traz mediatismo… Os resultados? A curto prazo, o dos sobreiros plantados por António Costa no Pinhal de Leiria, num prazo mais longo, tragédias como a que em 2017 devastou o mítico pinhal.

Entretanto, foi-se o Inverno. Aquela estação ideal para combater incêndios diz-se no Verão quando eles enchem a comunicação social. Mas como é costume, chegada a altura ninguém se lembra e pouco se combate. Uns meses mais tarde somos lembrados à bruta. É um mal geral. Dia 21 é dia para árvores, os outros dias são para outras coisas. Os fogos terão a sua altura. Ou as secas, ou as cheias. A Covid-19 dominava os telejornais. Hoje desapareceu. A Ucrânia e os Ucranianos são o tema do momento. Por quanto tempo?

Do jornalismo de causas à política para a fotografia, muito contribuirá para uma sociedade cada vez mais catavento, superficial, facilitista e com uma memória pior que a de Ricardo Salgado, algo que devemos temer mais que défices de pão ou de sombras de árvores. Comemos pouco queijo! É que este, não só ajuda a pecuária, importante para proteger as nossas florestas contra o fogo, mas também ajuda a memória, ao contrário da crença popular vinda dos tais velhos tempos em que comê-lo era um luxo.