Sem grandes surpresas, Donald Trump acabou por vir a público na passada terça-feira consumar uma promessa eleitoral: à falta de rasgar o acordo nuclear com o Irão, que não pode ser despedaçado porque tem mais cinco signatários – os restantes membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas e a Alemanha – veio denunciar a presença norte-americana no mesmo.

Muito se tem escrito sobre esta questão, quer do ponto de vista americano, quer do ponto de vista iraniano em particular, e do Médio Oriente em geral – mas há um terceiro ator coletivo que tem sido pouco debatido: a França, a Alemanha e a Grã-Bretanha. A saída dos EUA do acordo nuclear com o Irão é – também – uma derrota diplomática europeia.

Como sabemos, as diligências dos europeus junto do presidente norte-americano multiplicaram-se nos últimos tempos: May, Merkel e especialmente Macron defenderam uma linha soft, a de dar continuidade ao acordo. O argumento central fazia sentido: era melhor mantê-lo do que não ter nenhum, porque este documento, somado às dificuldades financeiras que o Irão atravessa – apesar do alívio das sanções –, têm sido suficientes para manter Teerão contido. Depois havia argumentos mais assessórios, como a imprevisibilidade das reações no Médio Oriente, bem como as dificuldades ultrapassadas e os anos consumidos numa negociação que travou a proliferação nuclear. Resumindo, os três grandes europeus fizeram o que podiam para salvaguardar a sua segurança regional e os seus interesses económicos. E falharam.

Falharam essencialmente por quatro razões: porque a linha dura tem um conjunto importante de adeptos em Washington – neste particular, a administração Trump não está sozinha –; porque o acordo tem, de facto, lacunas que permitem a Teerão mudar de ideias quase do dia para a noite; porque existe uma estratégia bem definida quer para o Médio Oriente, quer para as questões da não-proliferação nuclear que convergem no que respeita ao Irão; e porque os Estados Unidos têm aliados na região tão interessados como Washington em por cobro a qualquer tentativa do Irão de ganhar influência regional – o que tem acontecido nos últimos anos.

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O acordo tem efetivamente lacunas, sendo a mais importante não ter travado Teerão na aquisição de mísseis balísticos. Da perspetiva americana ainda há outras questões pendentes: as inspeções têm de ser anunciadas com vinte dias de antecedência e não existem cláusulas de punição por desestabilização regional. Assim, mesmo sem armamento nuclear, a preponderância iraniana tem crescido no Médio Oriente (especialmente através da influência sobre as comunidades xiitas) o que torna Teerão mais perigoso se tentar retomar o programa nuclear. Aparentemente, este novo status quoé inaceitável para os EUA.

Quanto à questão da não-proliferação, a estratégia usada relativamente à Coreia do Norte é um bom guia para o que se está a passar no Irão: há uma espécie de tolerância zero relativamente a este tema. Quando os Estados Unidos consideram que um estado que possui capacidade nuclear ou que está perto de a atingir e é simultaneamente uma ameaça para a estabilidade regional e para a segurança global, só há uma saída possível: garantias de total desnuclearização. Assim, apontam-se para ali todas as baterias: retórica assertiva, ameaças, sanções económicas duríssimas, pressão contínua de aliados americanos na região e a hipótese militar em cima da mesa (ainda que via ataques cirúrgicos). Muito se tem falado da ausência de um plano B, mas não seria de esperar outra coisa. É uma estratégia de tudo ou nada.

O que não terá causado estranheza na Península Coreana, porque Pyongyang atreveu-se demasiado, ao contrário do Irão. Mas o caso do Médio Oriente é reforçado pelo facto de haver um conjunto de atores com vontade política de apoiar os Estados Unidos – nomeadamente, a Arábia Saudita, Israel e o Egipto. A escolha de Washington era pois entre uma opção soft, apoiada pelos europeus, ou uma linha dura, apoiada pelos aliados da região. Sem surpresas Trump escolheu os segundos. Tudo na sua política indicava que o faria. A vontade de transformar o Médio Oriente e de fazer valer a não proliferação têm sido muito mais relevantes para a atual administração do que quaisquer assuntos europeus.

O que se torna mais perturbador nesta situação é um dado que não tem sido referido muitas vezes: no seu discurso de denuncia do acordo, Trump declarou que está disposto a sancionar os estados que não seguirem as pisadas americanas na política para o Irão. Subentende-se que a lógica é estrangular a economia iraniana de forma a forçar as autoridades a sentarem-se novamente à mesa das negociações para que se desenhe um acordo que satisfaça os Estados Unidos. Ora esta ameaça põe a Europa entre a espada e a parede: ou deixa cair as negociações com o Irão, uma tema fulcral para o seus interesses (e assume perante o mundo que já não tem capacidades suficientes para ter um papel de liderança internacional), ou as relações transatlânticas estão profundamente comprometidas.

Sim, é verdade que esta estratégia americana é arriscada. Há várias formas pelas quais o Irão pode retaliar, nomeadamente pela desestabilização regional através do Hezbollah (que acabou de ganhar as eleições no Líbano) e do Hamas (que tem todas as condições conjunturais para levantar uma nova revolta), ou através da interferência em estados como a Síria, o Iémen e o Qatar. É provável que a linha dura em Teerão ganhe um novo fôlego e não sabemos quais são as consequências (a bandeira americana já foi queimada simbolicamente no parlamento). Mas esse é um dos problemas. O outro – que nos diz respeito diretamente – é que nesta contenda entre interesses irreconciliáveis, a Europa não só foi derrotada diplomaticamente, como a ameaça de ser sancionada se continuar a apoiar o acordo com o Irão a torna um dano colateral na estratégia americana para o Médio Oriente. E este elemento torna a convivência entre os dois lados do Atlântico muitíssimo mais difícil.