O confinamento “é para manter, diga o que disser a Constituição”, garantiu António Costa e bem. Eu também acho a Constituição parva. Basta ver os nomes que designam as diferentes fases do processo que atravessamos. Até 2 de Maio estamos em Estado de Emergência e a partir daí passaremos, tudo indica, para Situação de Calamidade. Não faz sentido. Uma calamidade é muito pior que uma emergência. Se não acreditam, atentem neste exemplo: “Abram alas, tenho de ir à casa de banho! É uma emergência!” Trata-se de uma ocorrência premente, óbvio, mas nada que se compare a um “Meu Deus, o que fazer? Estava aflito para ir à casa de banho, não cheguei a tempo e deu-se um terrível acidente. Logo agora que tenho reunião com a chefe e não trouxe outras calças. É uma calamidade!” É. É uma desgraça muito superior a qualquer mera emergência. O que me apoquenta nisto tudo é não saber o que esperar depois do Estado de Emergência e da Situação de Calamidade. Será que vamos ter uma Circunstância de Hecatombe? Um Modo de Apocalipse?

É por esta consideração que o nosso primeiro-ministro tem pela lei fundamental do país e por outras que uma organização chamada Varieties of Democracy (V-Dem) colocou Portugal em 7º lugar na lista das melhores democracias do mundo. À frente de históricos antros de despotismo como uma Holanda, ou um Reino Unido. Uma vez que tudo isto tresanda a patranha, façamos o teste do algodão ao enviesamento ideológico deste estudo, que consiste em ver o que diz sobre os Estados Unidos da América. E, lá está, não falha: “Nações do G20 e todas as regiões do mundo fazem agora parte de uma “terceira onda autocratizante”, que está a afetar países economicamente importantes como o Brasil, Índia, EUA e a Turquia.” É isso é, V-Dem, há mais uma onda “autocratizante” nos EUA. É uma daquelas ondas que se formam sempre que — e só quando — o presidente é republicano, perdão, fascista.

Agora, que Trump é um pateta, ninguém questiona. Embora estivesse certo sobre os perigos do globalismo. E em relação à ameaça que a China representa para as democracias ocidentais. E quanto à necessidade de acabar com o terrorismo promovido pelo Irão. E no apoio à luta do povo de Hong-Kong. E nas políticas que levaram a que, antes da pandemia, o desemprego nos EUA fosse o mais baixo dos últimos 50 anos. Bom, mas o que interessa é que este palerma sugeriu que, para combater a Covid-19, as pessoas injectassem desinfectante para limpar os pulmões. Imaginem a estupidez. A estupidez que teria sido se Trump tivesse efectivamente sugerido tal coisa ao invés de se ter tratado de uma manhosa manipulação da comunicação social, claro.

É o que dá um líder de governo ter, nos media, uma oposição que anda sempre em cima dele que nem um cão. Mais ou menos como Rui Rio tem feito a António Costa. Ali, sempre em cima do primeiro-ministro que nem um pit bull. Que nem um pastor alemão. Que nem um golden retriever, vá. Um poodle, pronto. Um poodle, fofinho, zarolho e perneta, sempre pronto a acatar qualquer indicação do dono. Mas, atenção. Não tenho dúvidas que se calha António Costa ter uma ideia do calibre desta atribuída a Donald Trump, Rui Rio estaria na primeira linha, a marcar posição. Não para contestar a proposta, mas para ser o primeiro a levar a pica de Sonasol Amoniacal que, administrada pelo líder do PS, até podia ser na testa.

No meio disto tudo, a maravilha é que, por força da paragem da economia, a concentração de gases poluentes na atmosfera diminuiu imenso. Desfrutemos então. Experimente ir à janela respirar bem fundo várias vezes. Já está? Como se sente? Talvez até ligeiramente zonzo, certo? Pois, mas não é por haver menos poluição. É mesmo porque o obrigam a estar fechado em casa vai para dois meses, sem nenhuma fonte de rendimento. Não, isso não é ar mais puro. É já défice calórico.

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