É inegável que há homens que pensam que são mulheres. Isso não está em causa. Nem está, nem deve ser posta em causa, a sua dignidade como seres humanos e, como tal, o facto de também eles terem sido dotados pelo seu Criador de alguns direitos inalienáveis, entre os quais estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade. O que se pode, e deve, questionar é se essa autoproclamada identificação pode, de algum modo, anular os direitos cívicos, económicos e religiosos de outras pessoas, nomeadamente os conquistados pelas mulheres durante as últimas gerações.

Também é inegável que há, especialmente nos Estados Unidos, alguns caucasianos que pensam que são afros, e que se identificam não só cultural e politicamente como africanos mas também se consideram como sendo fisicamente de raça negra. Quando estes transrácicos são expostos como fake, isto é, quando se conhece que a sua realidade biológica não corresponde à sua autoidentificação rácica, a sua vida torna-se num inferno na terra: são despedidos dos seus empregos, expulsos das suas igrejas, repudiados pelos amigos e cônjuges e denunciados como vermes que não merecem viver por organizações de defesa de direitos humanos e associações de promoção dos direitos afroamericanos.

Existem muitas outras disforias para além da disforia de género e disforia rácica. Há os transetários1 e os transideológicos2 que, tal como os transrácicos, continuam a ter a sua autoidentificação rejeitada, não só socialmente, mas administrativa e juridicamente. Embora já se aceite atualmente que o género seja uma ‘construção social’ sem base biológica e, portanto, algo de fluido e passível de determinação autónoma por cada individuo, preconceitos antigos ainda impedem a aceitação de que a idade, ideologia e raça também sejam consideradas como ‘construções sociais’ e lhes seja atribuída plasticidade semelhante. Assim, incompreensivelmente, o direito à autoidentificação destas pessoas ainda não lhes foi reconhecido, o que, para além de ser injusto e inequitativo, é causa de sofrimento grave e escusável.

Para além de raça, género e idade, outra ‘construção social’ é o body-fitness: altura, peso, musculatura e a proporção corporal canónica de 7,5 cabeças para um corpo (uma do topo ao queixo, outra do queixo à linha dos mamilos, outra até ao umbigo, outra até ao osso púbico, etc.) arbitrariamente estabelecida pelo hétero-patriarcado branco representado, entre outros, por Leonardo da Vinci (1452—1519).

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L’uomo vitruviano, por Leonardo da Vinci

Assim, a massa corporal é outra ‘construção social’ que também tem sido usada como instrumento de discriminação em inúmeras circunstâncias. Por exemplo, o plano de vacinação Covid-19 do SNS estabelece dar prioridade na segunda fase de vacinação a pessoas com mais de 50 anos e com obesidade (IMC>35 kg/m2). Outro exemplo são as nada menos que 18 categorias de peso em que são divididos os praticantes de boxe, desde os ‘peso palha’ aos ‘pesos pesados’. Se o peso, tal como o género, é uma ‘construção social’ sem substrato biológico, estas categorizações do SNS e da AMB (Associação Mundial de Boxe) mais não são que estruturas arbitrárias que servem de instrumento de exclusão e opressão.

Será legitimo o SNS recusar, durante o segundo trimestre deste ano, vacinar um sexagenário de 1,8 m de altura e 58 kg de peso (IMC fisiológico de 8) que se identifique como uma pessoa obesa com IMC (psicológico) de 52? E será legitimo a AMB recusar que um matulão de 1,9 m com 120 kg (peso físico) que se autoidentifique como um magricelas de 49 kg (peso autoidentitário) de se inscrever num torneio de pesos palha?

Se, por qualquer razão, a resposta for sim, que é legitimo, então não será também legitimo rejeitar que um homem biológico que se identifique como mulher se possa inscrever em competições desportivas femininas? Ou que possa candidatar-se através da quota feminina a cargos de decisão, públicos ou empresariais?

Se se permite que um homem biológico, que se diz mulher, concorra em provas femininas, porque não permitir um matulão de 120 kg que se autoidentifica como tendo 49 kg de participar num combate de pesos palha? Ou, levando o argumento à sua conclusão, como justificar a existência de competições e equipas femininas, se as diferenças entre géneros são apenas uma ‘construção social’? Ou, quando qualquer um que se diz ser mulher pode participar em provas femininas independentemente da sua constituição biológica? Não será mais simples por de lado essas distinções baseadas em ‘construções sociais’ vetustas e injustas e ter apenas competições ‘unissexo’? E, também, abolir a ‘lei da paridade’ se pessoas transgénero se poderem candidatar a quotas femininas?

Se ‘género’ é apenas uma ‘construção social’ desprovida de base biológica, utilizada para a opressão de parte da humanidade, parece que a cancelação desse conceito, bem como a abolição de todas as estruturas a ele associadas, incluindo competições desportivas femininas, serviços de obstetrícia e quotas legais para mulheres em certas atividades profissionais e diretivas, será um passo no sentido de uma maior equidade social.

Mas se género for apenas uma ‘construção social’ desprovida de base biológica, qual é a razão que impede considerar altura, idade, massa corporal e raça como sendo também pura e simplesmente ‘construções sociais’? E se forem aceites como ‘construções sociais’ porque é que o sr. primeiro-ministro (disclaimer: da última vez que apareceu na SICK Notícias o sr. eng. Costa ainda era inequivocamente identificável como homem; daí o “sr.”) permite que o seu governo continue a usar estas categorias como instrumentos de discriminação nas suas políticas de saúde (e.g., planos de vacinação) e de rendimentos (e.g., pensões de velhice)?

U avtor não segve a graphya do nouo AcoRdo Ørtvgráphyco. Nein a do antygo. screue coumu qver & lhe apetece.

[1] Transetário: pessoa que se identifica como tendo mais idade, ou menos idade, que quer a sua idade biológica, quer a sua idade civil. Os dois casos mais famosos serão os de Emile Ratelband e de Paul Woscht. Uma reputada revista científica, o Journal of Medical Ethics, publicou recentemente o resultado de uma investigação sobre a conveniência de permitir a transição etária a pessoas que sofrem desta disforia. Não confundir com transitário3.

[2] Transideológico: pessoa que se identifica com uma ideologia incompatível com o seu modo de vida. Um caso famoso é o de Ricardo Robles, que sendo um especulador nato se identificava como anticapitalista do BE.

[3] Transitário: clínico que, a troco de uma comissão, medeia transições identitárias, quer hormonal, quer cirúrgica, quer geograficamente.