Carlos César deu o mote. Quer o novo PSD de Rui Rio à mesa das negociações. Porque o Partido Socialista não parece querer desistir da reforma da descentralização.

Correu mal a experiência com os demais partidos da “geringonça”, que parecia um negócio à medida de comunistas e bloquistas e que consistia numa regionalização apenas para as áreas metropolitanas. (Fosse isso ou não inconstitucional.) Era a proposta de eleger, de forma direta, um presidente e um governo para o grande Porto e a grande Lisboa, deixando o resto do país à mercê de decisões futuras, mais uma vez relegado para as calendas gregas.

A verdade é que, com essa tentativa, o governo demonstrou considerar exististir um país de primeira, que seria o das duas maiores cidades, e outro de segunda, ou seja o resto de Portugal. Ficando por explicar aos portugueses qual a lógica de uma “descentralização” apenas para as áreas metropolitanas.

Ainda assim, conseguiram facilmente “abafar” – tanto na comunicação social como ao longo de toda a campanha eleitoral autárquica, que até nem correu assim tão mal – a tentativa gorada, voltando agora à carga, ao procurar encontrar um novo parceiro de negócio. Talvez para dividir o país em quinhões e tentar ver se – como quem parte e reparte – sempre ficam com a maior parte…

Sobre a matéria da descentralização, todos já percebemos que é preciso fazer algo. Tomar decisões. Por mais pequeno que o território nacional seja – e no panorama europeu não é assim tão exíguo, comparando com a realidade dos estados bálticos ou do Benelux – é bastante óbvio que não dá para governar um país de forma centralizada e apenas diretamente a partir de Lisboa.

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Os socialistas tentaram mudar o paradigma, nos tempos de Guterres, mas a solução proposta da criação de regiões administrativas demonstrou ser demasiado atabalhoada, tanto na decisão da estrutura a adotar como na escolha da quantidade de regiões, na sua delimitação territorial ou na própria guerra entre as possíveis e respetivas capitais.

Durão Barroso procurou resolver o problema de outra maneira. Com um pendor fortemente municipalista e ligado ao território, o PSD daquele tempo quis dar força às comunidades intermunicipais e às áreas metropolitanas que, integradas pelos municípios, passaram a ter mais poder em matéria programática ou na utilização de algum financiamento europeu do que no respeitante às reais competências de descentralização propriamente ditas.

Entretanto, a tentativa dos sucessivos governos em procurar “despejar” atribuições nas únicas realidades ainda suficientemente robustas ao nível local – que são os municípios – não tem vindo a correr de forma satisfatória. Porque tais atribuições entregues às autarquias ou não são acompanhadas do respetivo envelope financeiro ou não encontram uma quantidade bastante de pessoal para desempenhar as funções que eram anteriormente da administração central.

Ainda assim, quando se fala em descentralização (ou até mesmo em regionalização), muitos se esquecem que a tal regionalização já acabou por ser feita (ou parcialmente feita) ainda nos tempos de Cavaco Silva, aquando da criação das comissões de coordenação regional (as então CCR), hoje comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR). E são entidades que, embora nem todos saibam, desempenham todos os dias um papel de extrema relevância para a dinâmica regional e local, tanto em matéria de aplicação de financiamento europeu – e, portanto, de desenvolvimento do país – como, por exemplo, em questões de ambiente e de ordenamento do território. São, por isso, agentes ativos na promoção do desenvolvimento sustentável.

Porém, os representantes das CCDR – que são cinco – continuam a não ser eleitos pelo povo, mas sim designados pelo Governo e respondendo diretamente aos ministros e aos secretários de estado. Ou seja, são representantes do Governo no território, ali tão perto dos cidadãos.

É por isso fundamental que uma próxima reforma para a descentralização não passe ao lado das CCDR. Do norte ao sul do país. Do litoral ao interior. Que ausculte estes organismos públicos de caráter regional, fortemente ligados à realidade local, e aqueles que os representam e que neles trabalham. E decida, por fim, o que se quer fazer com eles daqui para a frente. Mais ou menos poderes? Dar-lhes ou não a possibilidade de serem eleitos? Enfim, há tanto para discutir. Esperamos, desta vez, que não afastem os portugueses da discussão.

Descentralizar é aproximar a administração dos cidadãos. Mas, para isso, é essencial fazer escolhas claras e mudar paradigmas. Com coragem e rasgo. Para fazer melhor. A bem de um desenvolvimento sustentável do país. Mas também por mais igualdade para todo o território nacional.

Doutorando em Direito Público, investigador no Centro de I&D sobre Direito e Sociedade da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e no Environmental Regulatory Research Group of School of Law at the University of Surrey