O autor destas palavras é todo ele lusitano, filho do Douro e das ruas estreitas do Porto, com um amor profundo a esta família tão antiga a que chamamos de Portugal. Declaro o meu amor ao Brasil, terra do outro lado do oceano, outrora tão distante mas hoje a apenas algumas horas de distância. Aquilo que nos une é muito mais do que a História, a língua, os antepassados, ou os séculos de convivência. O que mais nos liga é sermos gente sofrida mas batalhadora, que nada pára apesar das circunstâncias, ou como dizia Ariano Suassuna, “a tarefa de viver é dura mas fascinante.” E a partir daqui há algo que nos começa a separar, precisamente o sentimento que fica na adversidade: em Portugal temos o fado, a melancolia e uma tristeza que tem de ter uma razão sólida para partir; no Brasil há menos conformismo e até a reação às derrotas é feita com alguma alegria. Lembro-me de uma música que tem setenta e cinco anos, de Luiz Gonzaga, sobre o sentimento causado pela intensidade da seca no Nordeste – mas que é tocada em todas as festas juninas. Como se o povo exorcizasse as suas desgraças através da dança despreocupada, da boa disposição e num otimismo sempre persistente. Afinal, “se a coisa não sai do jeito que eu quero, também não me desespero, o negócio é deixar rolar” – como canta Zeca Pagodinho.

Declaro o meu amor a essa cultura já tão vasta em tão pouco tempo, à bossa nova, à sabedoria de Jobim e Vinicius, aos retratos perfeitos de Jorge Amado, à visão de Oscar Niemeyer, ao realismo crítico de Machado de Assis, à culinária tão rica e diversificada, às novelas brasileiras que há décadas atrás entravam pelas nossas televisões de dois canais, em enredos geniais e personagens cativantes que marcaram a minha infância. Sempre que “bater” alguma dor e saudade, tenho Martinho da Vila a mandar, “Canta canta, minha gente” ou o Gonzaguinha a declarar que “é a vida, é bonita e é bonita.”

Escrevo numa altura em que há uma explosão sem precedentes de brasileiros a procurar uma vida melhor em Portugal. Sendo um país muito novo, que só este ano é que completou duzentos anos, ainda sofre de muitas dores de crescimento. Imerso em corrupção, experimentalismos ideológicos utópicos e más governações, não tem conseguido aproveitar todas as suas enormes riquezas. Como é costume, quem sofre são as pessoas, com grandes assimetrias entre o Norte e o Sul, o Nordeste e o Sudoeste, com grandes diferenças dentro dos próprios Estados no que diz respeito ao acesso a bens essenciais, à educação, à igualdade de oportunidades, ao empreendedorismo e à capacidade produtiva – só para citar alguns exemplos gerais. Mas tendo uma imensidão incrível, é importante que tenha resistido às tentações regionalistas a que a América Latina espanhola não escapou. O esforço de Dom Pedro foi essencial e só o futuro poderá fragmentar o que nasceu unido e potencialmente inseparável. O certo é que o Brasil é o futuro e todo o seu potencial se realizará, mais tarde ou mais cedo. Eu já estou eternamente grato e só por isso repito as palavras da canção de Gilberto Gil: “a todo o povo brasileiro, aquele abraço.”

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