Há muitas maneiras de dar uma ‘boa morte’, vulgo ‘eutanásia’, aos nossos familiares e entes queridos. A morte, aliás, é vista cada vez mais como um simples ato consumo, e a ‘qualidade de morte’ cada vez mais encarada como um mero aspeto da ‘qualidade de vida’. Tal como a qualidade de vida, a qualidade de morte tem melhorado imenso com o progresso da ciência e da tecnologia. E, com os recentes avanços na equidade social, cada vez mais mortes podem ser ‘eutanásias’.

Enquanto na antiguidade a ‘eutanásia’ era um produto de luxo, a haute couture da morte, apenas acessível aos poderosos e ricos, hoje está a tornar-se acessível às massas. Cleópatra (69—30 a.C), por exemplo, terá optado por uma ‘eutanásia’ tailor-made, através de uma mordedura de áspide — depois de mandar testar vários tipos de venenos em alguns dos seus súbditos e de ter concluído que esta, que induzia sonolência e paralisia e não produzia espasmos, era a ‘melhor morte’.

Por seu lado, Maximilian Robespierre (1758—1794), após séculos de progressos, preferia a guilhotina. E, como ‘amor com amor se paga’, teve a dita de os seus amigos também o terem despachado do mesmo modo quando, aos 36 anos, chegou a sua hora. Teve sorte, porque nem todos os revolucionários, passados ou presentes, levam muito a sério o conselho de Nosso Senhor Jesus Cristo de que “o que quiserdes que vos façam os homens, fazei-o também a eles” (Mt 7, 12). O seu colega Jean-Paul Marat (1743—1793), por exemplo, não teve tanta sorte.

A guilhotina, será bom recordá-lo, foi introduzida durante a revolução francesa como sendo um progresso na ‘humanização’ da morte daqueles cuja vida causa um sofrimento intolerável à sociedade. Foi o Dr. Joseph-Ignace Gillotin (1738—1814), médico, filantropo e deputado, não quem inventou, mas quem propôs que este mecanismo, que ficou associado ao seu nome, fosse usado para dar morte mais rápida, sem dor e, portanto, ‘mais humana’, em substituição de métodos mais artesanais e toscos, àquelas pessoas cuja vida autoridade competente, tribunal ou assembleia, tivesse reconhecido ter perdido significado social e estar associada a dor insuportável de terceiros.

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No entanto a ciência não para e métodos cada vez ‘mais humanos’ têm sido desenvolvidos e aplicados para dar uma ‘boa morte’. Assim, a guilhotina mecânica foi recentemente substituída pela guilhotina química. A mecânica foi usada pela última vez na RDA em 1966 e em França em 1977, sendo que o Texas foi o primeiro estado a adotar formalmente a química, em 1977, para a execução de ‘eutanásia’ judicial. O protocolo estabelecido dispunha que fossem administradas sequencialmente, aos pacientes, três substâncias: primeiro um barbitúrico (neste caso, tiopentato de sódio) para induzir perda de consciência, seguido de um bloqueador neuromuscular (brometo de pancurônio) para paralisar os músculos e parar a respiração, e, depois, cloreto de potássio, para causar paragem cardíaca.

Também foi a guilhotina química o método adotado pela Bélgica e Holanda aquando da introdução da ‘eutanásia’ clínica (e extrajudicial), em 2002, para aquelas pessoas cuja vida comissão competente tenha reconhecido ter perdido significado, seja para o próprio, seja para os cuidadores, e estar associada a sofrimento intolerável, seja para o próprio, seja para cuidadores. O protocolo a seguir é basicamente o mesmo que é seguido naqueles estados americanos onde a pena de ‘eutanásia’ (quer a judicial, como no Texas, quer a extrajudicial, como na Califórnia) ainda é legal: primeiro um barbitúrico seguido de um bloqueador neuromuscular. A única diferença é que o cloreto de potássio não é geralmente aplicado nas execuções belgas e holandesas, por ser considerado supérfluo: a indução de paragem cardíaca é considerada redundante quando a asfixia funciona bem. Repare-se que, embora muito mais high-tech, os efeitos da guilhotina química belga espelham bem o da áspide de Cleópatra.

Agora, nesta época em que festejamos a ‘eutanásia’ dos Santos Inocentes a mando do compassivo rei Herodes, o santo patrono do nosso governo, também os nossos representantes se preparam para introduzir a ‘eutanásia’ no nosso país. Tudo indica que, quando começar a ser aplicada, o seja através, não da guilhotina mecânica, mas da química. Curiosamente, espera-se que sejam exatamente os mesmos srs. deputados que recentemente se indignaram com uma proposta de adoção da castração química, feita por um partido populista, por ser “desumana e cruel” que irão votar a favor da introdução da guilhotina química por ser “um ato de empatia, de humanidade e de amor compassivo”, nas palavras de um conhecido filósofo que sempre achou que a parte é maior, e portanto, mais importante, que o todo.

Mas será que esses srs. deputados consideram que castração química é sempre “desumana e cruel”, ou será que acham que só é “desumana e cruel” para algumas pessoas mas não para outras?  A questão é legitima na medida em que o cruel processo de castração química é basicamente semelhante ao compassivo processo de ‘tratamento’ usado na ‘transição’ de homem para mulher. Em ambos os casos, o composto químico ministrado, e que é central para os efeitos pretendidos, é o acetato de medroxiprogesterona, que também causa os efeitos secundários que são um dos motivos que, segundo os srs. deputados, torna a castração química inconstitucional.

Pela mesma lógica, será de supor, à falta de mais evidencia, que os srs. deputados serão a favor da castração cirúrgica para certo tipo de pessoas, mas contra procedimento equivalente para outras. Uma porque será ‘humana’ no seu esquema ético, outra por desumana.

Temos portanto que os nossos srs. deputados são a favor da decapitação mas contra a castração, quando químicas. Uma porque é ‘humana’, a outra porque é ‘desumana’. No entanto, com o seu peculiar sentido de humanidade e na coerência da sua habitual falácia, os mesmos srs. deputados fazem uma subtil distinção para a permissibilidade de castração, seja química, seja cirúrgica: são contra a castração química e, assume-se, cirúrgica, de quem  comente violência contra a autonomia sexual de mulheres e crianças, porque seria uma desumanidade, mas são a favor a castração química e cirúrgica daqueles que têm dificuldade em conciliar o seu sistema cognitivo com a sua realidade biológica, castração que nestes casos já é ‘empática, humana e compassiva’. O que é isto senão warxismo, aquilo que vê a realidade natural, social e antropológica ao contrário, de pernas para o ar, como um M a fazer o pino, e que faz guerra ao que é bom, belo e verdadeiro na humanidade?

Numa visão não-warxista das pessoas, os doentes —todos os doentes— devem ser tratados, não com um ‘humanismo’ à séc. 18 do Dr. Gillotin, com desmembramentos mecânicos ou químicos que os brutalizam e desumanizam, mesmo que a pedido de quem está transtornado, mas com a profissionalismo de quem sendo capaz de reconhecer a realidade biológica, psíquica e comportamental de cada pessoa a pode ajudar a diminuir dor, eliminar disforia e curar mal função. E, sempre que possível, com o calor humano e carinho que todos os doentes merecem.

U avtor não segve a graphya du nouo AcoRdo Ørtvgráphyco. Nein a do antygo. Escreue coumu qver & lhe apetece. #EncuantoNusDeixam