Em 2019, Portugal alcançou um resultado histórico em democracia: equilíbrio das contas públicas e externas. As contas externas estavam equilibradas desde 2013, com uma grande ajuda do turismo. As contas públicas alcançaram o equilíbrio apenas em 2019, num contexto de crescimento económico, aumento do emprego, redução das taxas de juro, muitas cativações e pouco investimento público. No início de 2020, ninguém imaginaria que estes dois excelentes resultados pudessem ser tão efémeros.

Nos últimos seis meses, as nossas vidas mudaram radicalmente. Ficámos mais em casa. Evitámos idas aos restaurantes e visitas aos centros comerciais. Viajámos menos. Aqueles que não perderam rendimentos até podem apreciar este novo modo de vida. O teletrabalho ganhou tração. O telensino também. As vendas online aumentaram de forma significativa.

Mas quanto menos nos mexemos menos gastamos. É isso que mostram os dados publicados ontem pelo INE. Nos meses de abril, maio e junho, o consumo das famílias caiu 15% em relação ao mesmo período do ano passado. As medidas de confinamento, a redução de rendimento em resultado do layoff e do desemprego, e a incerteza em relação à gravidade da recessão e à retoma económica levaram as famílias a reduzir drasticamente o consumo. A maior redução (28%) registou-se nos chamados bens duradouros, em que se destacam os automóveis. As famílias apenas aumentaram o consumo de bens alimentares (+5%), refletindo a diminuição das refeições em restaurantes e o enchimento das despensas.

Menos consumo são menos impostos. De acordo com a síntese da execução orçamental, publicada a semana passada pela Direção Geral do Orçamento, a receita fiscal até julho tinha diminuído 14% face ao mesmo período do ano passado, destacando-se a redução do IVA.

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A redução do consumo das famílias foi a componente que mais contribuiu para a diminuição do PIB no segundo trimestre (16,3% face ao mesmo período de 2019). A redução nas vendas e a incerteza levam as empresas a adiar investimentos. Globalmente, o investimento caiu 9%, tendo-se registado uma quebra de 70% na aquisição de material de transporte e de 22% de máquinas e equipamentos. Pela positiva, destacou-se o aumento de 8% na construção.

Com pequenas variações, a mudança no modo de vida foi comum a todas as economias e em todas se registaram fortes quedas no consumo. Essa queda sincronizada do consumo resultou numa grande diminuição do comércio internacional. Em Portugal, no segundo trimestre, as exportações caíram 40% e as importações 30%. Os nossos principais parceiros comerciais – Espanha, Alemanha, França e Reino Unido – estão também a passar por uma severa crise económica. As vendas das nossas empresas para esses países continuarão a sofrer uma forte quebra.

Como já referi, no segundo trimestre, a redução do consumo das famílias portuguesas foi de 15%. No entanto, de acordo com os dados do INE, a queda do consumo privado em Portugal, por portugueses e estrangeiros, atingiu os 21%. Esta diferença de 6 pontos percentuais dá-nos uma ideia do impacto que a falta de turistas vai ter na atividade económica nos meses de julho e agosto. De acordo com o Fundo Monetário Internacional, a economia portuguesa será uma das mais afetadas pela diminuição do turismo, que poderá levar à redução das exportações num montante equivalente a 6% do PIB. Por outro lado, o efeito negativo nas contas externas poderá ultrapassar os 4% do PIB.

Neste contexto, será inevitável o aumento das insolvências e do desemprego, que já ultrapassou os 8%. Também daqui resultarão uma redução das receitas fiscais e das contribuições sociais e um aumento da despesa pública. E, em consequência, o défice orçamental aumentará.
Em 2020, voltaremos ao antigo normal dos défices orçamentais e externos.

Sabemos que a correção daqueles défices levará tempo. A economia demorará tempo a recuperar, como ontem lembrou o ministro da Economia. Os fundos europeus podem aliviar as dificuldades de alguns durante algum tempo. Mas só podem melhorar a vida de todos por muito tempo se forem bem utilizados. Para isso, os fundos europeus têm de robustecer a competitividade da economia portuguesa e das suas exportações. E só com o crescimento que daí resultar será possível ultrapassar de forma sustentada os défices orçamentais e externos.