Vamos começar pelo fim. Tudo indica que o milésimo episódio pseudo-dramático da vida interna do PSD terá três conclusões:

  • Rui Rio ganha a moção de confiança no Conselho Nacional (CN) ‘comprando’ a vitória com os lugares elegíveis nas listas para as europeias e legislativas que tem para distribuir;
  • Luís Montenegro ficará mais bem posicionado para o pós-legislativas de outubro, no cenário (altamente provável) do PSD de Rio ter um resultado eleitoral desastroso. Quanto menor for a margem da vitória de Rio no CN, mais reforçada será a posição de Montenegro;
  • Os contestatários de Rio vão ser ‘limpos’ das listas para as europeias e para as legislativas, como Manuela Ferreira Leite fez em 2009.

Dito isto é importante frisar que o PSD já está a ganhar com este abanão provocado por Luís Montenegro: na resposta ao repto para convocar eleições diretas, Rui Rio fez a sua melhor intervenção política como líder social-democrata. Com um discurso claro e fundamentado, Rio foi contundente e confiante perante a ameaça à sua autoridade e à sua legitimidade.

É certo que o seu discurso correspondeu a uma encenação política onde só deve ter faltado uma menina com duas placas (“Aplaudir” e “Silêncio”), como nas sitcoms norte-americanas, para serem levantadas de acordo com a coreografia das palmas prevista para os militantes fiéis. Seja como for, Rui Rio conseguiu parecer um líder — um líder que tem estado desaparecido em parte incerta desde que tomou posse há um ano. E até conseguiu ser melhor do que Luís Montenegro.

Para espanto de muitos, ainda terminou a semana com uma boa entrevista ao Jornal de Notícias — realizada antes do desafio de Montenegro.

O problema é que Rui Rio só apareceu agora: doze meses após tomar posse como líder da oposição. Doze meses em que o PSD fez uma oposição frouxa, para ser simpático. Doze meses em que pouco criticou o Governo e nada disse sobre o primeiro-ministro António Costa. Doze meses em que as propostas do PSD que ficaram na memória do eleitorado foram a criação de uma taxa sobre transações imobiliárias (como o BE), a defesa do condicionamento político da área da Justiça (como uma parte do PS) e um falhado banho de ética (como todos os partidos e políticos que repetem tamanha promessa). Doze meses em que a tendência dos indicadores de voto das diversas sondagens apontam no mesmo sentido: o PSD arrisca-se cada vez mais a ter uma derrota histórica em outubro, ficando abaixo dos 24,35% que conseguiu nas legislativas de 1976.

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Foram doze meses, enfim, em que Rui Rio tudo fez para que, aos olhos dos eleitores, não exista diferença entre este Governo do PS e o PSD. E esse é o maior favor que se pode fazer a um PS que busca a maioria absoluta, já que ninguém quer votar numa cópia barata quando pode votar no produto original.

2. Para gáudio da extrema-esquerda e do verdadeiros socialistas do PS, Rui Rio é o líder ideal do PSD. Autoritário, politicamente provinciano e com a ‘grande ambição’ de fazer do PSD um apêndice do PS, Rio encaixa na perfeição na ideia pré-concebida que a esquerda gosta de fazer passar de um líder do centro-direita. Chega, aliás, a ser comovente ver, ouvir e ler como os comentadores posicionados à esquerda têm ‘apoiado’ Rio nos últimos dias.

Manuela Ferreira Leite, ela própria um exemplo perfeito do autoritarismo que a esquerda’ gosta de colar à direita para fazer ressuscitar o bicho-papão do Estado Novo, pensa que a política de Rui Rio é única política possível — independentemente do suicídio eleitoral que a mesma representa. Pouco interessa que Ferreira Leite tenha sido politicamente cega, surda e muda nas legislativas de 2009 quando foi copiosamente derrotada por um José Sócrates com uma crise mundial financeira nos braços mais o escândalo do Face Oculta nos braços. O que interessa é que, mesmo com a sua atitude rezingona de quem dá más notícias todos os dias, tem razão: antes um PSD “pequenino” do que posicionado no centro direita.

Não tenho qualquer dúvida de que o futuro do centro direita agradece que Rui Rio chegue até outubro de 2019 para se juntar a Santana Lopes e a Ferreira Leite como os grandes promotores das maiorias absolutas e das vitórias do PS. Essa será a única forma de resolvermos de vez o desequilíbrio ideológico do espectro político-partidário português e de solucionarmos o anacronismo do partido de referência do centro direita português chamar-se “Partido Social-Democrata”.

3. Em Portugal, aliás, parece tudo trocado. A benevolência e a condescendência imperam perante a extrema-esquerda comunista do PCP e do Bloco de Esquerda, os verdadeiros social-democrata estão no Partido Socialista e o partido eminentemente conservador chama-se “Centro Democrático Social”. Já é tempo dos complexos perante o Estado Novo serem eliminados de vez. Independentemente das quedas individuais de Rio e Ferreira Leite para o autoritarismo.

O futuro do centro direita passa por quem tiver a coragem de assumir que Portugal necessita como de pão para a boca de um projeto político alternativo ao do PS — e à da ‘social-democracia’ de Rui Rio e Ferreira Leite. O futuro é de quem conseguir criar um novo projeto político que federalize o centro direita ou num partido único ou numa plataforma que junte o PSD, o CDS e outras forças políticas que estão a polarizar o centro direita.

Só um grande partido ou plataforma que represente todo o centro direita terá suficiente força para apresentar ao país um projeto verdadeiramente reformista, sem complexos ideológicos e onde o interesse comum se sobrepõe às clientelas dos partidos, dos sindicatos e da função pública.

Se Rui Rio contribuir indiretamente para este cenário com uma derrota clamorosa que certamente terá nas legislativas de outubro, existirá pelo menos uma razão para o país ficar-lhe agradecido. Por isso, deixem o homem trabalhar!

Texto alterado às 9h44m