Portugal é, no que à organização do seu sistema político diz respeito, uma República semipresidencialista com pendor parlamentar. Isto significa que, ainda que existindo a figura do Presidente da República com poderes que extravasam o mero simbolismo, o poder executivo está nas mãos do Primeiro-Ministro e do seu Governo e o poder legislativo nas mãos dos deputados à Assembleia da República, a quem é imputada também a função fiscalizadora da ação executiva.

Sendo o Governo formado, em teoria, pelo partido mais votado em eleições legislativas, ou por quem conquiste, direta ou indiretamente, a maioria dos eleitos no órgão legislativo, é a este último que está entregue o verdadeiro poder político do Estado.

É assim na formulação das leis que regem o país, como também o é na prorrogativa de prestar confiança ou censura que pode conduzir ao fim abrupto de um Governo em funções.

Se, na nomenclatura, o nosso sistema político se centra, ou semi-centra numa só pessoa, na prática facilmente verificamos que este depende quase inteiramente da Assembleia da República para funcionar e para se legitimar.

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O que se diz é ainda mais verdade quando pensamos que estamos assentes numa democracia representativa, que deposita nos deputados o poder de representação do povo que os elegeu, a quem estes devem prestar contas e por quem estes falam, legislam e decidem.

É no Palácio de são Bento que os milhões de portugueses que não votaram no partido de Governo, seja ele qual for consoante a altura em questão, veem os partidos de oposição fiscalizar a ação governativa e pressionar politicamente os detentores do poder executivo, no sentido de uma atuação mais condizente com a vontade expressa da maioria da população ou da minoria que os elegeu.

Acabar com os debates quinzenais, momento de fiscalização por excelência, é enterrar um machado difícil de retirar na democracia representativa, no poder da Assembleia da República e no sistema de checks and balances preconizado por Montesquieu.

É a assunção, clara, da vontade de menorizar o papel da Assembleia da República e a centralização do poder no Presidente e no Primeiro-Ministro, circunscrevendo o debate político e o controlo democrático à vontade dos dois e empurrando o confronto democrático para intervalos temporais de dois meses, minimizando a possibilidade de escrutínio pelas forças partidárias eleitas e, consequentemente, pelos cidadãos eleitores.

Não é aceitável, numa era em que todos defendemos mais participação cívica e política, em que todos defendemos uma reforma do sistema político que o aproxime das pessoas, em que todos nos escandalizamos com os números da abstenção e em que todos lutamos por uma democracia verdadeiramente participativa e em consonância com as novas formas de participação.

O Parlamento precisa de reformas? Com certeza. O Parlamento precisa que essas reformas o menorizem? Com certeza que não.

A Democracia não se anuncia, pratica-se. Todos os dias e não apenas de dois em dois meses.